Por Júlio Feriato
A banda francesa VENICE MAY nasceu do encontro entre a vocalista ucraniana Natalia Samofalova e o guitarrista e produtor Vincent Bedfert, que juntos criaram uma proposta musical marcada pela introspecção, densidade emocional e uma sonoridade melancólica. Estabelecidos em Paris, eles deram vida a um projeto que, desde o início, preferiu o caminho mais atmosférico ao comercial, apostando em camadas sutis de som e em uma estética sonora quase meditativa. Seu primeiro álbum, Illusion Is Inevitable, lançado em 2018, reflete bem essa filosofia.
Com 12 faixas e produção independente, o disco é uma imersão num universo que transita entre o post-rock, o art rock e o doom atmosférico. A ausência de sintetizadores e batidas eletrônicas — uma decisão deliberada — contribui para a natureza orgânica das faixas, que apostam em guitarras envoltas em reverb, riffs espaçados e ambientes sonoros que ora acolhem, ora sufocam. A escolha estética aproxima o som do Venice May de nomes como KATATONIA, PORTSHEAD e até mesmo ANATHEMA em momentos menos extremos, embora com uma pegada mais minimalista e meditativa.
Diferentemente de bandas mais comerciais, a Venice May não aposta em explosões melódicas nem em refrões pegajosos. Seu som é mais contido, voltado para o peso emocional, sem apelo comercial evidente. A música não se constrói para impressionar nos primeiros segundos, mas para se entranhar aos poucos, com suas camadas revelando texturas a cada nova audição. Nesse sentido, a banda se aproxima mais da tradição do doom melódico moderno do que do rock alternativo radiofônico.
A voz de Natalia Samofalova é o ponto central do disco. Longe de ser apenas bela ou “etérea”, ela carrega uma melancolia densa, quase fatalista. Seu timbre, às vezes resignado, às vezes penetrante, parece emular a voz de alguém que canta não por vaidade, mas por necessidade — como uma tentativa de sobrevivência emocional. Há algo de ritualístico em sua interpretação, como se cada música fosse uma confissão gravada às escondidas.
A produção de Vincent Bedfert é econômica, mas extremamente eficaz. Ele constrói paisagens sonoras que, embora não tenham grandiosidade orquestral, criam uma sensação de profundidade quase cinematográfica. Cada guitarra, cada pausa, cada eco parece milimetricamente calculado para manter o ouvinte num estado de suspensão.
A capa atmosférica de Illusion is Inevitable. |
A recepção do disco em sites especializados foi positiva. O portal francês Music Waves deu quatro estrelas, elogiando a construção de atmosferas e o equilíbrio entre delicadeza e peso emocional. O Vinyl Chapters destacou a produção e o controle da dinâmica como pontos fortes, ainda que algumas críticas pontuassem a uniformidade excessiva entre faixas. A Sputnikmusic elogiou a identidade sonora, embora tenha sugerido que certas músicas poderiam ter sido mais concisas.
Entre os momentos mais marcantes estão “A Mouse and a Snake”, que abre o álbum com um clima carregado de pressentimentos, “Hiding Place”, com sua melodia que parece se esconder dentro de si mesma, e “Limerence”, faixa em que o título já carrega todo o desespero contido na voz de Natalia. Já “Devil’s Lap”, com um andamento mais direto, é apontada por parte da crítica como um ponto de desequilíbrio — não por sua estrutura em si, mas por destoar do restante da obra em termos de sutileza.
Illusion Is Inevitable é, acima de tudo, um disco coerente com sua proposta: não tenta agradar, mas também não afasta; não se apressa, mas também não se acomoda. É um álbum de estreia corajoso, que escolhe a lentidão como ferramenta estética e a dor como matéria-prima. E talvez por isso, não seja um álbum para todos. Mas para quem se deixa tocar por atmosferas sombrias e beleza contida, é uma experiência que ecoa bem depois do silêncio final.
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