Por Júlio Feriato
O Espírito Santo nunca foi exatamente um terreno fértil para o metal brasileiro. A cena existia, claro, mas raramente gerava algo que escapasse do circuito local — e justamente por isso a exceção chamada SIECRIST ganha ainda mais peso.
Em 1992, a banda lançou pela Cogumelo Records seu debut Freezin’ Hell, um LP que não apenas capturou o clima do metal extremo nacional do começo dos anos 90, como também demonstrou uma qualidade incomum para o underground brasileiro da época.
Com Adriano Scaramussa (vocais e guitarra), George Motta (guitarra), Cláudio Neto (baixo) e Adilson Schwartz (bateria), o SIECRIST sabia exatamente o que queria fazer: thrash metal duro, direto, sem frescura, mas ao mesmo tempo muito bem trabalhado. Ouvindo o disco na época — e até hoje — era fácil perceber as influências clássicas que qualquer headbanger reconhecia na hora, como a técnica do EXODUS ou a aspereza marcial do SODOM. No entanto, tudo vinha filtrado pela personalidade do grupo; eram referências absorvidas, digeridas e devolvidas com identidade própria.
O álbum abre com uma intro sombria que já coloca o ouvinte na temperatura certa antes de desaguar na faixa-título. Esta prepara o terreno com riffs cortantes e velocidade segura, deixando claro, logo de saída, que a banda fazia thrash com convicção. “Depression Suicide” vem na cola, carregando o peso emocional e rítmico que reforçava a identidade crua do grupo. Já “Agony”, embora mais densa em clima, segue totalmente ancorada no thrash, exibindo troca de andamento, variações na palhetada e vocais diretos, tudo no ponto.
Grande parte desse impacto também é mérito da produção de Marcos Gauguin, muito conhecido por ter trabalhado com SARCÓFAGO, THE MIST, OVERDOSE, entre tantos outros nomes que estavam no seu auge. Com o SIECRIST não foi diferente, pois Freezin’ Hell soa surpreendentemente claro e consciente de si. Tudo é equilibrado, com intenção. As guitarras têm corpo, a bateria não se perde quando acelera, e os vocais encaixam no ponto certo, sem atropelar ninguém. É um álbum que exibe maturidade técnica e um senso de direção acima do que era feito em 1992.
A capa de Kelson Frost fecha o pacote com a mesma força. Sombria, direta e visualmente marcante, ela poderia figurar facilmente ao lado de lançamentos europeus da época. É o tipo de arte que, só de bater o olho, já indica que o disco merece ser ouvido.
| Formação do álbum Soul in Fire. |
Com um início tão promissor, o contraste com o que veio depois é inevitável. Soul in Fire (1995) tentou manter a chama acesa, apresentando-se mais agressivo e flertando com o death metal de forma mais evidente. Contudo, a partir daí a trajetória se perdeu, com discos fracos que não sustentaram o que a banda parecia prometer. A impressão final é que Freezin’ Hell e seu sucessor formam um instante raro de clareza artística dentro de uma carreira que poderia ter sido maior.
Talvez por isso o debut tenha ganhado status de peça cult ao longo dos anos. Nunca relançado em CD por aqui (nota: existe uma versão japonesa, mas dificílima de encontrar), ficou restrito a poucas cópias — hoje disputadas — e a uploads no YouTube. Acabou virando presença constante em listas de raridades nacionais e funciona como um retrato sincero de uma época em que o metal extremo brasileiro ainda queimava com intensidade.
Ouvir Freezin’ Hell é revisitar uma banda que, por um momento breve, parecia pronta para brigar em patamar mais alto e que deixou, nesse curto intervalo, um dos discos mais sólidos e bem acertados que o metal extremo brasileiro já produziu.



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