GEHENNA e o feitiço sombrio de "Malice (Our Third Spell)"
Por Júlio Feriato
Em 23 de setembro de 1996, quando a cena do black metal norueguês já se distanciava da fase mais polêmica dos incêndios de igrejas, o GEHENNA lançava seu terceiro álbum de estúdio: Malice (Our Third Spell). Gravado entre junho e agosto daquele ano no Soundsuite Studios, o trabalho contou com co-produção da própria banda ao lado de Terje Refnes. Originalmente saiu em CD pela Cacophonous Records, mas também ganhou versão em cassete via M.A.B. Records e reedições posteriores em CD, em 2000.
Esse álbum é lembrado como o fim da chamada “primeira era lendária” do GEHENNA: foi o último registro com Sarcana nos teclados e Dirge Rep na bateria, e também a despedida do estilo de black metal sinfônico puro que a banda explorava até então. A partir dali, o grupo caminharia para sonoridades mais próximas do death metal.
O título Malice não poderia ser mais apropriado. A música é sombria, maliciosa e agressiva, mas estranhamente bela. A produção soa mais limpa e acessível do que nos discos anteriores, com guitarras menos distorcidas e discretas na mixagem, mas equilibradas com os teclados de Sarcana, que criou arranjos ousados para a época. Vale notar que o DIMMU BORGIR só seguiria por esse caminho no clássico Enthrone Darkness Triumphant, lançado no ano seguinte.
Logo de cara, “She Who Loves the Flames” mostra como o black metal começava a ganhar contornos mais sedutores. A faixa conquistou fãs com sua atmosfera melódica e riffs que lembram o heavy metal tradicional, enquanto os vocais roucos e graves mantêm a aura maléfica característica da banda.
“Touched and Left for Dead” resgata a atmosfera dos trabalhos anteriores, com andamentos arrastados, sintetizadores etéreos e vocais obscuros que reforçam a melancolia. Já “Bleeding the Blue Flame” se destaca pelas melodias que trazem um frescor inesperado ao disco e reforçando a capacidade do GEHENNA de explorar nuances dentro do black metal sinfônico.
O ponto alto do disco está em “Ad Arma Ad Arma”, uma faixa de quase quatorze minutos que descreve um mundo em ruínas após uma guerra nuclear. Apesar da forte carga melódica, a composição transmite uma frieza apocalíptica, combinando perfeitamente com a atmosfera do álbum. As seguintes, “The Pentagram” e “The Word Became Flesh”, confirmam o talento do GEHENNA em compor black metal atmosférico com passagens melódicas bem inseridas.
A faixa-título, por sua vez, funciona como um resumo em três minutos: teclados épicos, guitarras inspiradas, energia maliciosa, explosões sonoras e um encerramento surpreendente ao som de violão.
A recepção da crítica foi positiva. O Metal-Archives classificou Malice como “um exemplo impecável de black metal sinfônico”, enquanto outras análises destacam a evolução nas guitarras de Dolgar e Sanrabb, que finalmente ganharam o peso necessário para dialogar com os teclados de Sarcana. Essa mudança fez o álbum soar mais robusto e consistente em relação ao material anterior.
Ainda assim, o GEHENNA não atingiu a mesma relevância de compatriotas como EMPEROR e DIMMU BORGIR. Um dos motivos pode ter sido o colapso da própria Cacophonous Records, que faliu pouco depois e deixou várias bandas desamparadas — um golpe duro para a promoção de um trabalho desse porte.
Entre fãs, no entanto, Malice segue cultuado e até mesmo considerado injustiçado. Em fóruns e comunidades de metal, não é raro encontrar comentários como este:
“Malice é facilmente o álbum de black metal mais esquecido dos anos 90. Uma verdadeira obra-prima, tanto em termos de composição quanto de som único.”
Apesar de toda a força criativa demonstrada aqui, o Malice (Our Third Spell) acabou sendo o último grande momento do GEHENNA. A banda seguiu lançando álbuns nos anos seguintes, mas nunca mais atingiu o mesmo nível de relevância ou impacto dentro da cena. Para muitos fãs, este disco permanece como o ápice da carreira — um feitiço sombrio e único que o grupo jamais conseguiu repetir.
De qualquer modo, Malice (Our Third Spell) não apenas consolidou o GEHENNA como um nome criativo dentro da cena norueguesa, mas também entregou um dos discos mais subestimados do black metal dos anos 90.
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