Por Júlio Feriato
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Formação clássica do Maleficarum. |
Enquanto boa parte do death metal daquele período pendia para o sueco melódico ou para o brutal norte-americano, o MALEFICARUM trilhou um caminho diferente. Com uma proposta voltada ao ocultismo, a banda soava orgânica, carregada de atmosfera e com um quê de tragicidade tipicamente mediterrânea, que misturava riffs densos, técnicos e soturnos.
A estreia veio com a demo Unblessed (1993), hoje cultuada como um dos registros mais obscuros da cena italiana. Ainda que crua, ela já deixava claro o interesse do grupo por uma sonoridade que não se encaixava facilmente em rótulos. As guitarras traziam riffs encorpados, com passagens arrastadas e um senso de melodia dissonante que remetia mais ao peso soturno do doom/death do que ao virtuosismo veloz que dominava a época. O vocal de Andrea Zanetti se destacava pelo timbre cavernoso, carregado de reverberação, acentuando a sensação de claustrofobia. A produção limitada, longe de ser um defeito, contribuía para a aura ritualística que se tornaria marca registrada da banda.
Dois anos
depois, o MALEFICARUM lançou seu primeiro álbum completo, Across the Heavens
(1995), onde a evolução foi nítida. O som ganhou estrutura mais elaborada, sem
perder a densidade obscura da demo. Aqui, a influência do doom metal se faz
ainda mais presente: riffs arrastados se entrelaçam a construções técnicas,
criando um clima de peso e tensão permanente. Em vez de melodias heroicas ou
luminosas típicas do death metal melódico escandinavo, o disco se apoia em
linhas secas, tensas e sufocantes, reforçando um fatalismo sombrio.
O ponto alto do disco é “Time I Am”, faixa que sintetiza bem a proposta da
banda: uma bela fusão entre a primeira fase do AT THE GATES e a sofisticação
técnica que remetia ao Death. Ainda assim, o MALEFICARUM não soava como cópia —
havia ali uma aura mais obscura e intimista, quase litúrgica, que conferia à
música uma identidade própria.
Outro momento marcante é “The Raping of Life”,
em que o vocal gutural de Andrea Zanetti contrasta com intervenções femininas,
criando uma sensação perturbadora e dramática. O recurso, longe de soar
“gótico” no sentido popular do termo, reforça o caráter sacrílego e
desesperador da música.
Apesar das críticas à produção — especialmente
ao som da bateria, excessivamente seco e “clicky” — Across the Heavens sobrevive ao tempo pelo que realmente
importa: suas composições. O disco transmite uma sensação ritualística única,
como se cada faixa fosse parte de uma liturgia profana. O Maleficarum, aqui,
conseguiu traduzir em música o peso da escuridão mediterrânea, um fatalismo que
o diferencia dos demais polos do death metal dos anos 90.
Se Across the Heavens foi a consolidação de uma identidade sonora única, Under the Cross representou o ápice da maturidade artística do MALEFICARUM. Lançado em 2002, o disco aprofunda ainda mais a estética ritualística da banda, com composições densas, arranjos mais sofisticados e uma produção que, embora ainda crua, favorece a atmosfera opressiva e introspectiva.
As guitarras ganham contornos mais dissonantes e angulares, evocando um desespero quase litúrgico. Faixas como “Always Suffering” — com direito a teclado que remete a órgãos medievais — e “De Vermis Mysteriis” revelam uma banda que não apenas dominava os elementos do death/doom, mas os moldava com personalidade e propósito. Em Under the Cross, o Maleficarum não buscava agradar ou seguir tendências: sua música era um rito de passagem sombrio, uma descida consciente aos abismos da alma mediterrânea.
Infelizmente a banda não teve vida longa, encerrando atividades logo em seguida. Mas toda sua discografia permaneceu como registros de uma ousadia que escapava dos clichês da época. Enquanto muitos buscavam soar suecos, americanos ou poloneses, o MALEFICARUM trilhou um caminho próprio: death metal técnico, mas carregado de atmosferas obscuras, melódicas e quase ritualísticas, com uma assinatura que não se confunde com a de outros nomes.
Hoje, com os relançamentos feitos pela Despise the Sun Records, a obra do grupo pode ser revisitada e ganha novo reconhecimento no underground. Para quem procura death metal que vai além do peso bruto e mergulha em paisagens sonoras sombrias, o Maleficarum é uma descoberta obrigatória.
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