Por Júlio Feriato
Quando pensamos em death metal melódico, alguns
discos surgem imediatamente na memória: Heartwork,
dos ingleses do CARCASS; The Gallery, do DARK
TRANQUILLITY; The Jester Race, do IN
FLAMES. Cada um teve papel fundamental na consolidação do estilo.
Em termos de repercussão, talvez nenhum tenha
causado tanto impacto inicial quanto Heartwork
(1993). O choque não veio apenas da sonoridade mais limpa e melódica, mas
também da guinada lírica: uma banda até então conhecida por letras grotescas e
mórbidas, ligadas ao gore e à dissecação anatômica, de repente passou a
escrever canções de tom mais sério e crítico. Essa mudança radical ampliou o
alcance do CARCASS e provou que o death metal poderia explorar letras com crítica social e reflexão, sem perder intensidade.
A banda sueca já vinha chamando atenção na cena europeia, especialmente após o EP Terminal Spirit Disease (1994), mas foi com Slaughter of the Soul que alcançou uma síntese explosiva: riffs velozes e cortantes, bateria incansável, vocais raivosos de Tomas Lindberg e, sobretudo, guitarras que, embora mantivessem os riffs agressivos característicos do death metal sueco, também traziam melodias memoráveis, capazes de permanecer na mente do ouvinte.
Se Heartwork mostrou que era possível suavizar as arestas do death metal sem perder peso, foram as bandas de Gotemburgo — AT THE GATES, IN FLAMES e DARK TRANQUILLITY — que realmente deram forma ao death metal melódico como gênero. Nesse trio, cada um desempenhou um papel fundamental: o AT THE GATES apresentou a versão mais concisa e agressiva; o DARK TRANQUILLITY apostou em atmosferas densas e vocais variando entre guturais e limpos; e o IN FLAMES expandiu o lado melódico com harmonias quase herdadas do heavy metal tradicional. Juntos, esses lançamentos meados dos anos 1990 consolidaram uma estética que, de tão marcante, logo se espalharia pelo mundo.
Lançado em novembro
de 1995, Slaughter of the Soul não
apenas consolidou o “Gothenburg sound”,
como também acabou se tornando o último registro do AT THE GATES por muitos
anos. Logo após a intensa turnê de divulgação, em 1996, a banda entrou em
hiato, alegando desgaste interno e divergências sobre o futuro. Alguns de seus
integrantes não ficaram parados: os irmãos Anders e Jonas Björler, junto do
baterista Adrian Erlandsson, fundaram o THE HAUNTED, banda que rapidamente
conquistou destaque no thrash/death moderno e manteve viva a herança de
agressividade deixada pelo AT THE GATES. Esse silêncio prolongado só reforçou o
status "cult" de Slaughter of the Soul,
que passou a ser visto como um “testamento” definitivo de uma era.
A história, no
entanto, ganhou um capítulo doloroso em setembro de 2025, quando a cena perdeu
Tomas Lindberg, voz e coração do AT THE GATES. Aos 52 anos, ele não era apenas
o frontman de uma das bandas mais
influentes do metal extremo, mas também um símbolo de paixão e entrega. Com seu
timbre raivoso e sua presença intensa no palco, Lindberg ajudou a transformar Slaughter of the Soul em um clássico eterno
e deu identidade a um estilo inteiro. Sua morte deixou um vazio imenso: para a
banda, que perde seu narrador visceral; para os fãs, que sempre encontraram em
suas letras a mistura de fúria e reflexão; e para toda uma cena que o
reconhecia como um dos maiores vocalistas do metal moderno. Mais do que um
músico, Lindberg era a alma inquieta do AT THE GATES — e sua ausência será
sentida sempre que soar o primeiro riff de “Blinded by Fear”.
Ao revisitar Slaughter of the Soul hoje, é impossível não perceber como esse álbum simboliza tanto o auge criativo de uma cena quanto o legado duradouro de um artista que se tornou voz de uma geração. O disco não apenas ajudou a inventar o death metal melódico tal como o conhecemos, como continua a inspirar músicos e ouvintes a buscar, no equilíbrio entre brutalidade e melodia, uma forma de expressão intensa, direta e atemporal.
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