19 setembro 2025

AT THE GATES e o legado eterno de 'Slaughter of the Soul'

 Por Júlio Feriato

Quando pensamos em death metal melódico, alguns discos surgem imediatamente na memória: Heartwork, dos ingleses do CARCASS; The Gallery, do DARK TRANQUILLITY; The Jester Race, do IN FLAMES. Cada um teve papel fundamental na consolidação do estilo.

Em termos de repercussão, talvez nenhum tenha causado tanto impacto inicial quanto Heartwork (1993). O choque não veio apenas da sonoridade mais limpa e melódica, mas também da guinada lírica: uma banda até então conhecida por letras grotescas e mórbidas, ligadas ao gore e à dissecação anatômica, de repente passou a escrever canções de tom mais sério e crítico. Essa mudança radical ampliou o alcance do CARCASS e provou que o death metal poderia explorar letras com crítica social e reflexão, sem perder intensidade.


Ainda assim, por mais importante que tenha sido, os suecos do AT THE GATES elevaram o death metal melódico a um novo patamar com Slaughter of the Soul, transformando o álbum em um marco definitivo da cena de Gotemburgo.

A banda sueca já vinha chamando atenção na cena europeia, especialmente após o EP Terminal Spirit Disease (1994), mas foi com Slaughter of the Soul que alcançou uma síntese explosiva: riffs velozes e cortantes, bateria incansável, vocais raivosos de Tomas Lindberg e, sobretudo, guitarras que, embora mantivessem os riffs agressivos característicos do death metal sueco, também traziam melodias memoráveis, capazes de permanecer na mente do ouvinte.


O resultado agradou tanto os fãs mais radicais do death metal quanto ouvintes acostumados a sonoridades menos extremas. O impacto foi imediato, e o disco logo passou a ser reconhecido como um divisor de águas do chamado “Gothenburg sound”, termo que batizou o estilo que se firmava na cidade sueca.

Se Heartwork mostrou que era possível suavizar as arestas do death metal sem perder peso, foram as bandas de Gotemburgo — AT THE GATES, IN FLAMES e DARK TRANQUILLITY — que realmente deram forma ao death metal melódico como gênero. Nesse trio, cada um desempenhou um papel fundamental: o AT THE GATES apresentou a versão mais concisa e agressiva; o DARK TRANQUILLITY apostou em atmosferas densas e vocais variando entre guturais e limpos; e o IN FLAMES expandiu o lado melódico com harmonias quase herdadas do heavy metal tradicional. Juntos, esses lançamentos meados dos anos 1990 consolidaram uma estética que, de tão marcante, logo se espalharia pelo mundo.

Gravado no Studio Fredman, com produção de Fredrik Nordström, Slaughter of the Soul contou ainda com a participação especial de Andy LaRocque (King Diamond), que gravou um solo lendário na faixa “Cold”. Há relatos (não confirmados) de que LaRocque recebeu a fita com a base para o solo em velocidade errada e, mesmo assim, conseguiu compor e executar a parte com maestria. Esse detalhe curioso só reforça a aura quase mítica em torno de um álbum que parecia destinado a ser histórico desde sua concepção.

Lançado em novembro de 1995, Slaughter of the Soul não apenas consolidou o “Gothenburg sound”, como também acabou se tornando o último registro do AT THE GATES por muitos anos. Logo após a intensa turnê de divulgação, em 1996, a banda entrou em hiato, alegando desgaste interno e divergências sobre o futuro. Alguns de seus integrantes não ficaram parados: os irmãos Anders e Jonas Björler, junto do baterista Adrian Erlandsson, fundaram o THE HAUNTED, banda que rapidamente conquistou destaque no thrash/death moderno e manteve viva a herança de agressividade deixada pelo AT THE GATES. Esse silêncio prolongado só reforçou o status "cult" de Slaughter of the Soul, que passou a ser visto como um “testamento” definitivo de uma era.


Foi apenas em 2007 que o AT THE GATES se reuniu para alguns shows comemorativos, e em 2014 veio o tão aguardado retorno ao estúdio com At War with Reality. A recepção foi positiva, assim como a de trabalhos seguintes como To Drink from the Night Itself (2018) e The Nightmare of Being (2021), que mostraram uma banda madura e ainda criativa. No entanto, por mais relevantes que tenham sido esses lançamentos, nenhum conseguiu igualar o impacto cultural e musical de Slaughter of the Soul, que segue intocado como o ápice da discografia e a obra que definiu a identidade do AT THE GATES para sempre.

A história, no entanto, ganhou um capítulo doloroso em setembro de 2025, quando a cena perdeu Tomas Lindberg, voz e coração do AT THE GATES. Aos 52 anos, ele não era apenas o frontman de uma das bandas mais influentes do metal extremo, mas também um símbolo de paixão e entrega. Com seu timbre raivoso e sua presença intensa no palco, Lindberg ajudou a transformar Slaughter of the Soul em um clássico eterno e deu identidade a um estilo inteiro. Sua morte deixou um vazio imenso: para a banda, que perde seu narrador visceral; para os fãs, que sempre encontraram em suas letras a mistura de fúria e reflexão; e para toda uma cena que o reconhecia como um dos maiores vocalistas do metal moderno. Mais do que um músico, Lindberg era a alma inquieta do AT THE GATES — e sua ausência será sentida sempre que soar o primeiro riff de “Blinded by Fear”.

Ao revisitar Slaughter of the Soul hoje, é impossível não perceber como esse álbum simboliza tanto o auge criativo de uma cena quanto o legado duradouro de um artista que se tornou voz de uma geração. O disco não apenas ajudou a inventar o death metal melódico tal como o conhecemos, como continua a inspirar músicos e ouvintes a buscar, no equilíbrio entre brutalidade e melodia, uma forma de expressão intensa, direta e atemporal. 


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