10 setembro 2025

AMEN CORNER e o impacto do debut "Fall, Ascension, Domination" no underground brasileiro

Por Júlio Feriato

O AMEN CORNER surgiu envolto em polêmica. Logo no início da carreira, uma entrevista concedida à revista Rock Brigade incendiou a cena: o vocalista Paulista — hoje conhecido como Sucoth Benoth — declarou abertamente sua adesão ao satanismo e disparou que o thrash metal era “coisa de boy”. A alfinetada não foi gratuita. O alvo, como muitos entenderam, eram bandas como PANTERA e SEPULTURA, que na época já haviam conquistado um público mais amplo, distante da essência underground do metal.

A partir dali, escrevia-se uma nova página do black metal brasileiro. E o AMEN CORNER foi, sem dúvida, um dos grandes responsáveis por popularizar o estilo no país. Se antes quase não se ouvia falar de bandas do gênero, pouco tempo depois o cenário se transformaria.

Em 1993 a banda lançou seu debut: Fall, Ascension, Domination. Um álbum que, para mim, permanece insuperável. Confesso que, na primeira audição, não gostei. A produção me soou estranha, e o vocal, cheio de efeitos, parecia baixo demais na mixagem. Mas logo depois me vi completamente viciado.

Fall, Ascension, Domination não é apenas o primeiro registro do AMEN CORNER — é um manifesto. O álbum combina agressividade extrema com claras influências de doom metal, criando uma atmosfera própria, intensa e abrasileirada, distante da frieza do black metal norueguês. A produção é crua, mas mantém clareza: as guitarras cortam como lâminas, a bateria soa ríspida, e a voz de Paulista é um grito de guerra contra qualquer resquício de luz.

Essa fusão de peso, melancolia e densidade era, aliás, uma característica marcante do black metal brasileiro da época: músicas carregadas de atmosfera sombria e introspectiva, que conviviam com a agressividade típica do estilo. Para mim, essa combinação de brutalidade e lirismo sombrio foi o que deu ao AMEN CORNER — e a muitas bandas do cenário nacional — uma identidade própria e inconfundível.


O disco abre com riffs intensos e compassos diretos, sem espaço para contemplação. Faixas como “On the Throne with Lucifer” e “Heir of Lust, Heir of Pleasure” (que me impactaram profundamente) são exemplos de como o AMEN CORNER soube equilibrar agressividade, rispidez e atmosfera. Não era só barulho: havia construção, havia intenção. Ouvir o álbum inteiro era atravessar um ritual — sombrio, extremo e fascinante.

Para quem viveu aquele momento, o disco significava muito mais do que música: era uma senha de pertencimento. Ter Fall, Ascension, Domination na coleção era como carregar um brasão, um atestado de que você realmente fazia parte do underground.

Amen Corner no lendário "Passport to Hell" (1994). Foto: Facebook

Eu fui um desses fãs de carteirinha. Escutava o álbum sem parar, decorava cada letra, vivia aquela música como um evangelho sombrio. Até que veio o batismo real: o show em Bauru/SP, no festival Passport to Hell. Eu tinha apenas 16 anos e nunca havia pisado em um evento underground de death e black metal. Aquilo foi o paraíso. O público era exatamente como eu sonhava: cabelos longos, roupas pretas, camisetas de bandas obscuras que não eram do mainstream.

Tive a chance de conhecer os músicos e até me senti importante quando um dos guitarristas me convidou para tomar uma cerveja no bar. Eu só pensava: “ninguém vai acreditar quando eu contar isso”. Guardo até hoje a lembrança de quando ofereci um copo de vinho a Tito — hoje rebatizado como Murmúrio. Ele recusou, berrando que “não tomava sangue de Cristo!”. Rimos. No geral, todos foram simpáticos e acessíveis. Com exceção do vocalista Paulista, que mal levantava os olhos para falar duas ou três palavras. Na época, achei-o um mala sem alça. Talvez a evidência em que a banda se encontrava tivesse subido à cabeça. Curiosamente, anos depois, quando o entrevistei no meu saudoso Heavy Nation, encontrei um sujeito bem mais simpático.

Aquela noite ficou marcada. Se pudesse, voltaria no tempo para reviver tudo. Porque o metal daquela época ainda era cru, intenso, sem as diluições que viriam depois. Não havia new metal, não havia emocore. E a Galeria do Rock fervilhava de lojas de discos e headbangers, não dessa mistura de estilos que hoje ocupa o espaço. Era um outro mundo, e o AMEN CORNER estava no centro dele.

Que fique claro: não tenho nada contra new metal ou emocore. Só que, para mim, eles não tinham a ver com aquele universo específico em que eu estava mergulhado. 

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