20 julho 2025

Quando conhecer seus ídolos estraga a música

Por Júlio Feriato

Este é um texto honesto de alguém que cresceu ouvindo heavy metal e que, por algum tempo, contribuiu com paixão para a divulgação e propagação do gênero. Não se trata de atacar nomes ou apontar dedos, mas de expor verdades incômodas que muitos preferem ignorar. E, se você se incomodar, talvez seja porque a carapuça, de fato, lhe serve.

Durante os anos em que apresentei o Heavy Nation no UOL, ao lado da Paula Baldassarri e da Fernanda Lira, vivi o que muitos considerariam um sonho: estar frente a frente com os ídolos, conversar com lendas da cena metal, frequentar bastidores e testemunhar de perto o que, para a maioria, permanece envolto em névoa e distorção.

Mas esse privilégio veio com um preço. A decepção não tarda a chegar quando a cortina desce e os holofotes se apagam. O que sobra, muitas vezes, é o ruído do ego, da arrogância e de comportamentos que desmontam a imagem que, por anos, a música ajudou a construir.

Não são poucos os artistas que, fora dos palcos e dos estúdios, revelam um comportamento que vai do ego inflado à completa falta de empatia. Pessoas que, com um microfone na mão, discursam sobre união, respeito e resistência, mas que, nos bastidores, agem como tiranos com seus colegas, desdenham os fãs ou carregam atitudes problemáticas que não combinam com a potência da arte que produzem.

Claro, conheço exceções. Músicos corretos, éticos, humildes. Gente generosa, coerente com o que canta. Mas são raros. A regra, infelizmente, é outra — e sustentada por uma cena que ainda prefere o mito à verdade, a nostalgia ao posicionamento.

Recentemente, essa percepção me bateu de novo, com força. Em uma conversa com um amigo, trocamos confidências e lembranças — e foi impossível não concluir: muitos dos artistas que moldaram nossas trajetórias são, fora dos palcos, pessoas que jamais respeitaríamos se não tivessem uma guitarra na mão ou um logo cultuado estampado no backdrop.

O mais doloroso é perceber como atitudes machistas, homofóbicas e, cada vez mais, fascistóides têm se tornado comuns entre músicos respeitados da cena. São figuras que, no palco, posam de rebeldes, mas, fora dele, endossam narrativas reacionárias, autoritárias e perigosamente alinhadas com o que há de mais podre na sociedade.

Também há os que usam a imprensa como arma. Recentemente, tivemos o caso de um músico veterano, muito respeitado na cena por sua história — e que eu também admirava —, utilizando uma entrevista para espalhar mentiras descaradas sobre outra banda. Ataques disfarçados de opinião sincera, insinuações plantadas com o objetivo claro de sabotar colegas e, claro, promover a própria imagem. A vaidade nesse meio é barulhenta — mais alta até que o volume dos amplificadores. E deu certo. A banda dele, que andava esquecida, voltou aos holofotes por causa dessa entrevista.

E é aí onde quero chegar. Fica difícil seguir ouvindo certas bandas cujos integrantes têm esse tipo de atitude. Os riffs continuam potentes. As letras, intactas. Mas algo se quebra. Porque não dá para dissociar a arte de quem a faz quando você já viu — ou ouviu — demais. Quando o mesmo sujeito que grita por liberdade no microfone compartilha fake news nas redes sociais, esconde assédio sob silêncio cúmplice ou sabota gente honesta nos bastidores.

Não se trata de exigir santidade. Todos erram. Mas há uma diferença entre tropeçar e cultivar o erro como método, entre ser humano e ser escroto. E quando isso fica claro, a mágica se esvai.

Hoje, ouço música de outro jeito. Com mais cuidado. Não basta soar bem — preciso saber quem está por trás daquele som. Às vezes, continuar fã à distância é uma forma de preservar a beleza. Em outros casos, é preciso simplesmente parar de ouvir. Porque há bandas que não cabem mais na minha playlist — e nem nos meus princípios.

O metal foi minha escola, minha religião, meu abrigo. E ainda pode ser esse lugar. Mas, para isso, precisamos deixar o barulho da distorção dar espaço à escuta crítica. Precisamos olhar para quem está no palco — e decidir se vale a pena continuar aplaudindo.

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