12 novembro 2025

TETRARCH renasce com fúria e sem pedir desculpas em "The Ugly Side of Me"

 Por Júlio Feriato

“The Ugly Side of Me" reafirma o poder do nu-metal com refrões grudentos, peso e autenticidade.”
Quando o TETRARCH lançou Freak em 2017, muita gente que cresceu ouvindo metal nos anos 2000 parou pra prestar atenção. O nu-metal já vivia sua segunda onda — com Korn e Limp Bizkit ressurgindo em turnês nostálgicas —, mas o quarteto de Atlanta parecia entender o espírito da coisa. Pegaram o que o gênero tinha de melhor, atualizaram o som pro século XXI, misturaram um toque de metalcore e entregaram um disco que poderia facilmente ter saído em 2002 sem soar datado.

Mesmo assim, confesso que demorei para digerir o som do TETRARCH. Talvez seja pelo meu velho preconceito contra o nu-metal (algo que levou anos para me libertar), mas ao ouvir o segundo álbum, Unstable (2021), a banda me “ganhou”. Não tem como ficar indiferente aos refrões grudentos vociferados pelo vocalista e guitarrista Josh Fore. E quando vi que a guitarrista Diamond Rowe é uma mulher negra, tudo ficou ainda mais interessante — sim, representatividade importa —, ainda mais sendo ela uma das principais compositoras do grupo.

Agora, com The Ugly Side Of Me (lançado em 9 de maio pela Napalm Records), o TETRARCH mostra que não pretende sair da rota que traçou.

E não é nenhuma surpresa. O grupo segue fiel à própria fórmula — sem mudanças bruscas, sem experimentos desnecessários. São trinta minutos de nu-metal puro, daqueles que poderiam tocar entre "Issues" (do Korn) e "Chocolate Starfish and the Hot Dog Flavored Water" (do Limp Bizkit) sem ninguém perceber diferença. A faixa de abertura, "Anything Like Myself", é praticamente uma homenagem ao Korn, com baixo pulsante e uma atmosfera sombria de sintetizadores que aparecem e somem nos momentos certos. "Best Of Luck" carrega o mesmo DNA, lembrando o brilho de "Twisted Transistor".

Já "The Only Thing I’ve Got" traz aquela pegada emocional do Linkin Park da era Meteora — refrão gigante, feito pra estádios, e uma produção limpa que realça o impacto. E aqui vale destacar: os refrões são grudentos no melhor sentido, daqueles que grudam na cabeça e fazem a gente querer voltar e ouvir de novo. Há sinceridade nas letras também — em "Never Again (Parasite)", Josh Fore solta um “I gave you my trust, but never again” com uma entrega que soa real, quase como um desabafo. Essa honestidade é o que sempre manteve o nu-metal vivo entre quem cresceu com ele: uma mistura de fúria, vulnerabilidade e melodia.

Mas aqui está o ponto: o TETRARCH é ótimo no que faz, só que essa fidelidade ao estilo tem um limite. Dá pra se manter consistente sem mudar o estilo — o CANNIBAL CORPSE e o OBITUARY provaram isso —, mas ambos foram pioneiros, não seguidores. O nu-metal já teve seu auge e sua queda, e agora vive um renascimento. E The Ugly Side Of Me, embora coeso e divertido, ainda pisa em terreno conhecido. Se a banda quiser ir além, precisa encontrar algo que seja realmente seu — uma identidade que mostre pra onde o gênero pode evoluir, e não apenas revisitar o passado. Mas, se a intenção for justamente essa, então o TETRARCH é vitorioso.

Mesmo assim, pra quem não viveu a época, o álbum é uma bela porta de entrada — quase uma coletânea das melhores sensações do nu-metal. Soa como aquela coletânea em fita cassete que a gente gravava pra ouvir no discman ou no carro, cheia de riffs pegajosos e refrões explosivos. Não reinventa a roda, mas entrega diversão honesta. E às vezes, isso já basta.


03 novembro 2025

HOODED MENACE eleva o death/doom a novos abismos em "Lachrymose Monuments of Obscuration"

Por Júlio Feriato 


Quase vinte anos depois de surgir na Finlândia com um doom/death denso e sepulcral, o HOODED MENACE chega ao sétimo álbum mostrando que ainda há espaço para aprofundar aquilo que já parecia consolidado. Lachrymose Monuments of Obscuration, lançado pela Season of Mist, não reinventa a banda — mas amplia horizontes com inteligência e convicção.

A espinha dorsal continua sendo Lasse Pyykkö, guitarrista e principal compositor. Seu foco quase obsessivo na criação de riffs cativantes permanece evidente: tudo parte dali. Mas desta vez, os arranjos são mais elaborados e atmosféricos, transformando cada música em uma experiência melancólica e cuidadosamente arquitetada.


Gravado com produção inteiramente conduzida em seu próprio estúdio em Joensuu, cidade natal da banda, o disco reflete controle absoluto sobre cada detalhe. Pyykkö esteve presente em todas as etapas, do riff inicial à mixagem final, e o resultado é uma coesão rara: não se trata de uma coleção de músicas, mas de uma obra pensada do início ao fim.

Entre as novidades, o violoncelo, tocado por Antti Salminen, adiciona profundidade emocional, especialmente em “Portrait Without a Face”. Já os sintetizadores inspirados na fase Somewhere in Time do IRON MAIDEN conferem ao álbum uma atmosfera soturna e nostálgica, reforçando o clima de horror gótico característico da banda.

As letras seguem fiéis ao universo do Hooded Menace: imagens surrealistas, decadência e fantasia macabra, sem narrativa linear, funcionando mais como pintura emocional do que história. Um destaque curioso é o cover de “Save a Prayer”, do DURAN DURAN, que Pyykkö transforma em algo que poderia sair de um disco sombrio do PARADISE LOST — ousado, mas surpreendentemente coerente.

Se há uma questão que o álbum levanta, é a duração de algumas faixas. Em certos momentos, a banda parece permanecer um pouco além do necessário dentro de ideias já bem estabelecidas. Nada que comprometa a atmosfera, mas um enxugamento poderia tornar o impacto ainda mais preciso.

De qualquer modo, Lachrymose Monuments of Obscuration é um álbum que respeita o passado, mas se atreve a expandi-lo. É pesado sem ser bruto, melódico sem ser açucarado, e confia plenamente na atmosfera que constrói. HOODED MENACE segue sendo HOODED MENACE — mais profundo, consciente e audacioso do que nunca.


02 novembro 2025

WORLD UNDER BLOOD: uma banda que tinha tudo para ser gigante

Por Júlio Feriato

Da esq. p/ dir.: Tim Yeung, Risha Eryavac, Luke Jaeger, Deron Miller.

Há tantas discussões sobre o motivo de tantas bandas não conseguirem viver apenas de sua música. Para mim, a resposta é até simples: existem bandas demais. É humanamente impossível acompanhar tudo o que é lançado — e no heavy metal isso é ainda mais evidente, porque quase todo fã também é músico e tem um projeto próprio.

E por que estou tocando nesse ponto? Porque talvez aí esteja uma das razões pelas quais o WORLD UNDER BLOOD nunca chegou a estourar mundialmente. Mesmo tendo lançado, em 2011, pela Nuclear Blast, um disco forte como Tactical, a banda passou quase despercebida — muita gente que curte metal extremo sequer chegou a ouvir falar deles.

A história da banda gira em torno de Deron Miller, vocalista, guitarrista e principal compositor do projeto. No Brasil ele é praticamente desconhecido, mas nos EUA sempre teve seu espaço por causa do CKY e, mais recentemente, do 96 BITTER BEINGS, ambos mais voltados ao rock alternativo. Por isso, quando foi anunciado que ele estaria à frente de um projeto de death metal melódico — contando também com Tim Yeung na bateria (ex-MORBID ANGEL), Luke Jaeger na guitarra (SLEEP TERROR) e Risha Eryavac no baixo (DECREPIT BIRTH, ex-ABYSMAL DAWN) — a curiosidade foi quase geral. Mas, quando Tactical saiu, não duvido que muita gente tenha ficado positivamente surpresa. Ele é, sem exagero, um dos discos mais inspirados do death metal dos anos 2010.

Antes de tudo: não, Deron não reinventou o estilo aqui. Não é esse o ponto. Mas ele conseguiu reunir o que havia de melhor no death metal melódico daquele período, somado a influências que, à época, muita gente tinha deixado de lado. Há ecos do death metal técnico da Flórida — algo entre DEATH e CYNIC — mas sempre filtrados pela identidade de Miller. É rápido, é agressivo, mas também melódico e técnico sem cair naquela fritação gratuita que muitas bandas do tech-death adotam. E o grande diferencial é justamente o vocal de Deron, alternando guturais fortes com vocais limpos bem colocados. O resultado, longe de estragar a atmosfera, é o que dá caráter ao disco e também uma camada progressiva, uma personalidade que o distancia do death metal mais genérico. Esse detalhe, pra mim, é acerto, não falha.

Aqui vale destacar outro ponto essencial: a produção, assinada por James Murphy (sim, o ex-DEATH, ex-OBITUARY e ex-TESTAMENT). Murphy conseguiu deixar Tactical nítido, pesado e sem exageros. As guitarras têm textura, a bateria é intensa sem soar artificial e o baixo, ao contrário de muitas produções extremas, está presente e definido. A sonoridade que ele alcança é parte do motivo pelo qual o álbum soa tão atual até hoje.


Entre os destaques, claro, está a faixa de abertura “A God Among the Waste” — veloz, cheia de blast beats, mas também melódica, com harmonizações vocais que lembram aquele espírito experimental do CYNIC antigo. “Pyro-Compulsive” é talvez a música mais bem resolvida do álbum, com riffs memoráveis e mudanças de dinâmica muito inteligentes. E “Under the Autumn Low” traz melodias que grudam na cabeça — facilmente poderia ter sido single, se o projeto tivesse tido mais investimento.

No fim das contas, Tactical nunca soou como um disco feito para agradar à “cena” ou a um estilo específico. E é justamente por isso que funciona. É uma obra sincera, cheia de convicção, que não tenta ser manifesto nem modelo. 

Ah, e o álbum fecha com um cover de “Wake Up Dead” (Megadeth), muito fiel ao espírito do original e executado com respeito.


É uma pena que o WORLD UNDER BLOOD não tenha dado continuidade ao projeto — havia espaço para evoluir muito mais. Mas é possível entender por que isso não aconteceu: o projeto nunca chegou a se tornar uma banda fixa. Tim Yeung logo seguiu para o MORBID ANGEL, enquanto Deron Miller enfrentava sua saída conturbada do CKY e passou a concentrar energia no 96 BITTER BEINGS

Sem turnê, sem formação estável e sem um apoio mais sólido da Nuclear Blast, o WORLD UNDER BLOOD permaneceu como aquilo que sempre foi: um projeto de estúdio criado no momento certo, por músicos que estavam disponíveis naquele instanteJustamente por isso, Tactical soa tão único — e também tão isolado na discografia de todos os envolvidos.

Dito isso, Tactical merece ser lembrado. E, de certa forma, redescoberto.