Por Julio Feriato / Fotos: divulgação
Ricardo Batalha é jornalista especializado em heavy metal e hard rock. Nos anos 80 era ele quem filmava os shows de várias bandas de metal na capital paulista (acervo bastante utilizado no documentário "Brasil Heavy Metal"), além de produzir fanzines e tocar bateria na banda Sunset Midnight.
Infelizmente um acidente de carro o impossibilitou de realizar seu sonho de tornar-se um baterista profissional e cursou a Faculdade de Direito. Mas sua paixão pela música falou mais alto e tornou-se roadie de bateria do Angra durante a turnê do disco "Holy Land". Logo após, virou jornalista musical e se deu bem. Hoje é um dos profissionais de imprensa mais respeitados do meio e faz parte da equipe da revista Roadie Crew, especializada em heavy metal e classic rock, única publicação sobre o gênero que ainda é vendida nas bancas.
Conversei com Batalha para falar sobre a revista, do Angra. o futuro do heavy metal, e até consegui 'arrancar' dele algo sobre política, assunto que ele odeia.
A Roadie Crew talvez seja a única revista brasileira especializada em Rock/Metal em atividade no momento. Como é ser praticamente esse 'oasis' no deserto do mercado editorial do metal?
Temos as revistas online, como a Rock Meeting, e outras, como o Fanzine Mosh, que retomou as atividades e é impresso, só não é vendido em bancas convencionais. Mas com distribuição nas bancas, sim, a Roadie Crew foi a única especializada em música pesada que sobrou no mercado. Mas não tem vantagem nenhuma em ser a única e não ficou mais fácil por conta disso. Todo mundo pensa que é ótimo não ter nenhum concorrente, mas não é bem assim. O mercado como um todo perdeu.
Não sei o motivo pelo qual as outras publicações encerraram suas atividades antes mesmo da crise econômica e editorial no Brasil, porque meu foco há 22 anos é a Roadie Crew. Não ficava olhando para o lado quando ela surgiu, pensava apenas em ajudar a equipe a tornar aquele fanzine sem periodicidade, preto e branco, com poucos cadernos, numa revista mensal. Nós sempre lutamos para fazer a Roadie Crew crescer. Fazê-la andar, dar um passo de cada vez, mas sempre visando a evolução. Já ouvi falarem de forma pejorativa que a Roadie Crew é um apenas 'fanzine de luxo'. Pois bem, assim seja. Isto é um elogio! Afinal, de onde viemos?... Nós temos que continuar evoluindo, mas é uma pena que hoje em dia se manter no mercado já é considerado uma vitória.
Queríamos poder atender mais aos inúmeros pedidos dos nossos leitores, pois eles nos ajudam a crescer e melhorar. O mercado está complicado, mas estamos vivos. E nós gostamos do que fazemos, pois ainda somos ávidos fãs de heavy metal, de rock pesado, buscando enaltecer o passado e olhando para o futuro.
O fã de metal perdeu o prazer de ler e se informar sobre seu gênero favorito?
Se tivesse perdido o prazer de se informar, de colecionar, de buscar material, o mercado já teria implodido. Quem busca informação, e tem prazer e interesse em ler, sabe onde encontrar mídias de credibilidade.
Ocorre que o fã é bombardeado diariamente com muitas informações e a 'cultura dos cliques' está se alastrando de forma impressionante, com adoção de medidas desesperadas para atrair a atenção do público que chega a ser patética. Não é possível que nada sério tenha valor e todo mundo vai se limitar a ver apenas manchetes sensacionalistas, polêmicas, besteirol e aquelas famosas "nesta data, há 30 anos...", que criam para gerar cliques. Bem, qualquer anônimo hoje em dia posta vídeos de "react" para "resenhar" um disco. Nenhum problema quanto a isso, pois cada um tem liberdade de postar e criar o que quiser, mas alguns são tétricos e sem credibilidade alguma.
Além disso, sabemos que parte do público jovem tem hábitos diferentes e a música até pode, em um primeiro momento, ser secundária para eles. Porém, tudo está interligado. Sem música, aquele game que ele joga perde a graça, da mesma forma que ver um filme ou uma série sem trilha musical.
Hoje em dia dá pra viver apenas sendo jornalista musical?
Em uma única mídia, não, não dá.
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Dando aquele trato na bateria de Ricardo Confessori |
Você foi roadie de bateria do Angra na turnê do álbum 'Holy Land', auge da formação clássica. Como foi trabalhar com eles?
Uma experiência incrível. Profissionalmente, a primeira coisa que fiz após deixar a advocacia foi ser roadie do Angra, que trabalhava com Antonio Pirani, o Toninho da Rock Brigade, como empresário. Uma pena que aquele Angra de vinte anos atrás não existe mais, mas a cadeia de bandas que gerou é grande.
O vocalista Andre Matos, os guitarristas Kiko Loureiro e Rafael Bittencourt, o baixista Luis Mariutti e o baterista Ricardo Confessori poderiam ter se mantido por muitos anos e estariam, sem dúvida, num patamar bem alto com aquela formação clássica. Todos exímios músicos, que buscavam mesmo estar na linha de frente do metal. Eram estudiosos, meticulosos e seguros. Porém, todos, talvez à exceção de Mariutti, tinham o senso de liderança e comando aguçado e uma banda não pode ter cinco líderes. Isso foi a benção e a desgraça deles.
Só para se ter uma ideia, durante as viagens ou logo após os shows, havia uma "resenha" sobre a performance da banda. Foram poucas as vezes onde houve aquela festa que todos pensam ser comum após shows de rock e heavy metal. No tourbus, cada um falava sobre o que tinha dado certo e o que precisava ser melhorado. Kiko Loureiro, hoje no Megadeth, não importa onde e quando, estava sempre com uma guitarra na mão. Para Confessori, a meta a ser atingida era a do Queensrÿche no vídeo "Operation: Live Crime" (1989). Às vezes, ele colocava aquele show no vídeo do ônibus. Ficava mostrando e explicando o nível de excelência que pretendia chegar com o Angra.
Eles eram tão sérios e compenetrados que um motorista me perguntou, no retorno de um show ocorrido em Florianópolis (SC), se era mesmo uma banda de heavy metal. (risos) "Eles bagunçam menos e são mais quietos do que os músicos do Ray Conniff", me confidenciou. Claro que tirei o maior sarro de todos depois que ouvi aquela declaração do nosso "motora". (risos)
Já vi pessoas duvidarem da popularidade do Angra fora do país, afirmando ela que ela é menor do que realmente é. Já que você os acompanhou no exterior, como você analisa a atual situação da banda no mercado? Naquela época eles realmente estavam bombando lá fora como diziam?
Sim, estavam. O Angra era uma das bandas mais populares de metal no Brasil, na França, na Argentina, na Grécia e no Japão. O primeiro grande evento que trabalhei como roadie de Ricardo Confessori foi no extinto Palace, que ficava localizado no bairro de Moema, em São Paulo. Somente o Sepultura tocava em casas desse porte (ou maiores).
A turnê de maio de 1997, promovendo ainda "Holy Land" (1996) e o recém-lançado EP "Holy Live", passou pelas cidades francesas de Lion, Estrasburgo, Rouen, Bordeaux, Toulouse, Ris-Orangis, Angouleme, Montpellier, Marselha e Paris, além de datas na Itália, Grécia e Alemanha. Chegamos a ficar mais de um mês na estrada. Então, eu não ouvi falar da reação dos fãs, eu a vi. Na França, o grande show foi no Bataclan, de Paris, infelizmente mais conhecido hoje pelo ataque terrorista durante a apresentação do Eagles of Death Metal, ocorrida em 13 de novembro de 2015. Nesse show, até sentei na bateria, no gran-finale da apresentação, durante um cover de "Wasted Years", do Iron Maiden. Era o momento em que toda a equipe se juntava ao palco.
Também estavam na jam alguns integrantes do grupo alemão de prog metal Vanden Plas. Enfim, se alguém tem dúvida, avise que estão enganados. Tanto que o Bataclan ficou pequeno demais para o Angra. Na turnê seguinte, eles tocaram no Le Zenith, uma das maiores casas de shows de Paris.
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Quando conheceu o ídolo Stephen Pearcy (Ratt) no Monsters of Rock de 2013 |
Em 2013 eu assisti uma entrevista sua na Rede TV onde você afirmou que o Brasil não tem nenhuma banda que realmente represente o Hard Rock por aqui. Isso mudou de lá pra cá?
Felizmente, mudou muito de lá para cá e hoje temos ótimas bandas de hard rock no Brasil. Eu disse ótimas e são mesmo! Temos hard rock de todas as linhas, do melodic rock ao sleaze! Ouçam Dirty Glory, Tales From The Porn, Hård:On, Wolfpire, Fúria Louca, Marenna, King Of Bones, Adellaide, Sunroad, Horyzon, Still Living, Vulgar Type, Púrpura Ink., Toxic Novel, Sioux 66, Sixty-Nine Crash, Slippery, Hardshine, N.O.W., Dancing Flame, Vegas HR, Voodoo Shyne...
Aliás, o mercado está bom para bandas de Hard Rock?
Veja, hoje em dia ninguém tem medo e receio de tocar o que realmente quer. Ninguém precisa seguir tendências. Nos anos 90, quem curtia hard rock tocava metal melódico. Hoje em dia isso, felizmente, não acontece. Assim, há mais verdade na música praticada por essas bandas.
O Heavy Metal perdura desde seu surgimento nos anos 70. Você acha que isso vai continuar após todas as bandas clássicas deixarem de existir?
Sim, nunca vai acabar. Recebo dez lançamentos por dia, em média, no e-mail da revista, fora os videoclipes, lyric videos e vídeos ao vivo que diariamente surgem no YouTube. As bandas clássicas vão acabar, mas, em 2088, haverá um jovem começando a tocar guitarra e que estudará Jimi Hendrix, Eddie Van Halen, Yngwie Malmsteen... Depois, ele vai montar a banda dele, inspirada no que estiver em destaque na época dele e, então, vai gravar e tocar ao vivo. Esta roda poderá nunca mais ser a roda gigante, mas parar de rodar ela não vai.
Particularmente sou muito pessimista quanto ao futuro do heavy metal e às vezes acho que somos a última geração de fãs que gostam do gênero...
Eu não sou pessimista porque vejo jovens curtindo metal no mundo todo. Se não tivessem tantas bandas sendo formadas, gravando e tocando, eu também seria como você. Porém, se existem quase tantas bandas quanto fãs, significa que a coisa ainda é grande. Ocorre que estão querendo colocar o heavy metal em um patamar menor do que é a realidade, parecem só enxergar o lado negativo. Quem ainda enche estádios sem mídia? Metal, rock pesado e afins.
Todo mundo agora, ao invés de defender o metal – não sou o Joey DeMaio, mas tudo bem (risos) –, fica falando de outros estilos e de artistas da moda, como se pudéssemos comparar algo popular com o metal. Nunca pudemos. Porém, antes podíamos e falávamos: "Eu acho tal banda um lixo!", sem o menor pudor ou receio do que iriam dizer os patrulheiros de plantão. Hoje, alguns dos patrulheiros são do próprio meio. Não, eu não acho legal a forma como o metal vem sendo encarado. O que eu penso é que o metal está carecendo de 'perigo', de voltar a ser contestador.
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No Programa Heavy Nation (Rádio UOL) |
Foi bom você tocar neste assunto, pois atualmente há muitas discussões sobre o metal não ser mais um gênero musical contestador como antigamente e que seu público atualmente é formado por pessoas conservadoras - no sentido político. Qual sua visão a respeito disso?
Conservadoras ou tão liberais que passam a defender mais o que vem de fora do metal do que o estilo. Cada um faz o que quer, todos têm liberdade para falar e fazer o que bem entendem, mas saibam que estamos na era de "San Angeles", igual ao filme "O Demolidor", com Sylvester Stallone, Wesley Snipes e Sandra Bullock. Ah, eu sou da turma do "ratoburguer", hein? (risos)
Metal e política não deveriam se misturar?
O metal se mistura com tudo e pode, sim, falar de política, de contestar, de botar o dedo na ferida, de apontar os problemas. Não é só o punk rock que fala de política. Não constam em lugar nenhum regras impeditivas para que as pessoas que são do meio do metal façam o que bem entendam.
Você acha que em regimes democráticos os 'roqueiros' acabam se adaptando ao 'comum' e por isso não há mais o que questionar?
O rock está aí desde os anos 1950, seja em que regime for. O estilo está ligado à rebeldia, de ir contra as regras! Música é liberdade, é arte. Ponto final.
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Ricardo Batalha e Julio Feriato na Rádio UOL |
Com todo seu conhecimento sobre rock e metal, você nunca pensou em ter seu próprio programa de rádio ou um canal do Youtube?
Como você sabe, já que integrei o Heavy Nation do UOL por um período, meu perfil não é o daquele radialista apresentador. Sou mais um comentarista e não âncora, por isso sempre preferi fazer parte de uma equipe e não ser como o Vitão Bonesso, por exemplo. Apesar disso, é uma das áreas que mais gosto e por isso sempre me dediquei, em todos os projetos que participei, de elaborar uma programação interessante e procurei desenvolver a produção de webrádios e programas que fiz parte, como o Up All Night (web rádio Stay Rock Brazil), em 2015, e no começo da rádio Shock Box.
Na área da internet, apresentei o quadro 'Campo de Batalha' no programa Maloik, que era transmitido TV MAIS ABC e depois disponibilizado no YouTube. Ele ficou um ano e meio no ar e foi muito legal estar naquela empreitada junto com o Rodney Christófaro, Fernanda Lira e Amilcar Christófaro.
Também tive o prazer de ser coapresentador da "Monsters TV" em 2015, ao lado da Katy Freitas, após aceitar um convite do Cesar Dechen e da produção do festival Monsters of Rock, além de integrar a equipe do Programa Rock Forever (TV Rede Paulista/Jundiaí), de 2012 a 2014, e de ter colaborado para o Stay Heavy. Sobre ter um canal próprio, ou participar de algum existente, é somente questão de tempo, de agenda e de encontrar uma parceria que, efetivamente, consiga fazer algo de qualidade.
Ligar celular, com imagem e som toscos, não vai rolar. Uma boa edição, com áudio e vídeo de qualidade, são fundamentais. Dão mais trabalho, claro, mas não vou ficar fazendo vídeos pobres de "react" de lançamentos ou ficar comentando notícias, por nada.