24 agosto 2017

KULTIST: saiba mais sobre a banda que se inspira nas obras de H.P. Lovecraft


Por Julio Feriato / Fotos: divulgação

Da. esq. p/ dir.: Dan Pacheco (V - ReAnimation, ex-Cursed Slaughter), Ya Amaral (G/V - Eskröta, ex-Sinaya), Leticia Figueiredo (BT - ex-Bahoc), Karine Campanille (B/V - Mau Sangue, ex-Disturbia Cladis)

"Em aeons estranhos até mesmo a morte pode morrer". Esta e muitas outras citações conhecidas fazem parte do universo sombrio nos contos de H.P. Lovecraft (autor famoso na cultura pop, infelizmente mais citado por ter inspirado inúmeras películas de horror no cinema do que propriamente por sua obra em si). Mas aqui no underground brasileiro uma nova banda tem mergulhado de cabeça em seus contos do quase centenário autor, o KULTIST.

Formado por membros de bandas já conhecidas do underground brasileiro, o Kultist traz em suas letras o universo sombrio de Lovrecaft - inclusive no visual carregado, que poderia facilmente confundi-los com bandas de Black Metal. E, para conhecer um pouco mais sobre a proposta do grupo, conversei com a baixista Karine Campanille. Leia a seguir.


Como vocês descreveriam a sua música?
Nosso som é death metal com influências de thrash e até black metal em alguns riffs e linhas vocais. Mas, acredito que a principal ideia é compor músicas pesadas, que trazem a atmosfera do universo caótico do autor H.P. Lovecraft, por isso o uso de notas dissonantes e passagens melódicas.

Você poderia explicar melhor como funciona toda essa temática ao redor do universo de Lovecraft?
Todas as letras, figurinos, cenários e textos mostrados pelo Kultist fazem referência a obra de Lovecraft, um autor publicado nas décadas de 10 a 30. Existem muitas interpretações dos contos, mas o principal ponto que as pessoas parecem concordar é de que ele tentava mostrar o tamanho de nossa insignificância perante a magnitude do universo.

Existe uma mensagem além da literatura sendo passada nas letras da banda?
Com certeza, embora exija um pouco mais de interpretação. Nossas letras possuem diversas críticas e são recheadas de alegorias. Todos nós temos visões políticas e sociais bem parecidas, abraçamos todo o movimento que luta por igualdade e pelo fim do fascismo existente. Não aceitamos qualquer tipo de intolerância e principalmente aquelas incentivadas pela religião, ou por ideologias ignorantes. Todos esses valores estão ali.

O Kultist é formado por integrantes de bandas diferentes e cada um parece ter sua própria influência. Como é conciliar isso musicalmente falando?
A gente gosta de música, alguns de nós são multi-instrumentistas, então acabamos por absorver muitas vertentes do rock/metal. Da minha parte é bem natural eu me expressar de acordo com o que cada banda pede e acho até mais fácil quando cada banda é diferente uma da outra. As formas de compor, atmosfera sonora, temática, figurino não se cruzam. Nas bandas que toco existe muita liberdade criativa e musicalmente falando me sinto plena, pois consigo colocar toda minha musicalidade nelas, somando e transformando ideias, sem que nenhum trabalho interfira no outro e de quebra dando tudo de mim pra cada estilo e para cada instrumento que toco.

Visualmente vocês lembram uma banda de Black Metal. O quanto Black Metal é influência pra vocês?
Todos da banda gostam de algumas bandas de black metal e é possível ver influência do estilo. A obra de Lovecraft tem muita coisa de ocultismo, bruxaria, deuses esquecidos que estão num universo paralelo, de evocação de forças consideradas malignas pela nossa moral, cultura, costumes e religiões predominantes nas sociedades... Então, nossa ideia desde o começo era não só passar essas influências somente para a música, mas também ao nosso visual, por isso a escolha de uma estética que comunica com esse universo. As maquiagens não são corpse paints, é uma maquiagem mais opaca e que marca o aspecto fantasmagórico, característica de personagens de filmes do expressionismo alemão que temos como referência. 

Em um ambiente predominantemente masculino, como é fazer parte de uma banda underground, majoritariamente feminina?
É muito bom tocar com mulheres tão 'empoderadas' e que já tem uma certa vivência no underground. Isso com certeza nos dá mais segurança de subir em um palco, pois sei que teremos o apoio de pessoas com bastante representatividade. O Daniel, único homem na banda, já está há anos no underground e também tem o maior respeito a causa, isso nos deixa bem mais confiantes.

Já há planos para gravar um álbum completo?
Sim! Estamos com o nosso primeiro disco composto e começaremos as gravações em meados de novembro. Estamos conversando com um selo para o lançamento, então em algum momento do primeiro semestre do ano que vem nós iremos lança-lo. Mas antes disso vamos cair na estrada e já temos algumas datas. 


21 agosto 2017

LACERATED AND CARBONIZED: guitarrista fala sobre álbum 'Narcohell', clipe novo e violência no RJ

Por Julio Feriato / Fotos: divulgação

Da esq. p/ dir.: Jonathan Cruz (V), Caio Mendonça (G), Paulo Doc (B) e Victor Mendonça (Bt)
A banda carioca Lacerated And Carbonized surgiu em 2005 e lançou seu primeiro trabalho em 2011, "Homicidal Rapture". Mas foi com "The Core of Disruption", de 2013, que o grupo realmente caiu nas graças da imprensa e do público headbanger, tanto aqui quanto no exterior. 

E, após turnês pela America do Sul, Europa e vários shows em território nacional, o Lacerated And Carbonized soltou em novembro de 2016 o excelente "Narcohell, produzido por Felipe Eregion (vocalista do Unearthly) e mais uma vez mixado e masterizado pelo produtor alemão Andy Classen (Destruction, Krisiun, Nervosa, Violator) no Stage One Studios, Alemanha.

"Narcohell" é praticamente um soco na cara e exibe composições fortes, diretas, agressivas mas sem deixar o groove de lado. Ou seja, puro Death Metal sem muitas firulas, e que ainda conta com as ilustres participações de Mike Hrubovcak (Monstrosity) e Marcus D'Angelo (Claustrofobia) em duas composições.

Semana passada a banda lançou em seu canal do Youtube o videoclipe para a música "Hell de Janeiro", única composição em português do disco. Aproveitei a deixa e entrei em contato com o guitarrista Caio Mendonça para bater um papo sobre o atual momento do grupo. O resultado você lê a seguir.

Primeiramente quero parabeniza-los pelo álbum "Narcohell"! Quando começaram a compor vocês já tinham em mente do resultado que queriam alcançar?
Quando eu começo a compor um novo disco, sinto que estou em uma área desconhecida, inexplorada. Por mais que você queira que o disco siga por um caminho, o que vai definir como as músicas vão sair é a inspiração do momento. Apesar disto, nosso objetivo era nos superar e fazer nosso melhor álbum. Acredito que conseguimos isto.

Agora que já passou quase 1 ano desde seu lançamento, como você analisa "Narcohell" em comparação aos seus antecessores?
Eu diria que "NarcoHell" é a evolução natural do disco anterior, "The Core of Disruption", por termos nos aprofundado ainda mais na temática com foco na violência do nosso estado, Rio de Janeiro. Sinto também que resgatamos uma abordagem mais rasgada e direta nos riffs, característica forte presente no álbum "Homicidal Rapture".

"Narcohell" é um titulo forte para um álbum. Como surgiu a idéia?
A ideia surgiu após a composição da faixa título. Eu trouxe esse instrumental rápido e agressivo para o ensaio e o Paulo na mesma hora começou a bolar uma letra sobre o narcotráfico, um tema forte para um instrumental forte. Ali mesmo surgiu a primeira frase do refrão, "Living Narcohell...". Ou seja, "Narcohell" começou como letra, virou título de música e, posteriormente, título do álbum.

Vocês têm noticia de como tem sido a aceitação do disco no exterior?
O disco foi lançado no Brasil e EUA no ano passado, e agora, após um ano, o álbum será lançado no México pela Concreto Records. Isto só mostra a força do disco e o interesse em torno dele. Tivemos um feedback muito bom durante parte da nossa última turnê sul-americana e estamos ansiosos para mostrar as novas músicas em nosso próximo giro na Europa.

Uma das coisas que aprecio no Lacerated and Carbonized é o fato de sempre fazer músicas diretas e curtas. Isso é algo proposital?
Nós não impomos limites ou regras na hora de compor, mas acredito que o LAC possua uma característica bem definida, que é a junção de riffs diretos e pesados com uma bateria mais rápida e trabalhada. O mais importante é que as músicas estejam do nosso agrado e, ao acrescentar novos elementos nas composições, você deve sempre se perguntar se você está fazendo o melhor pela sua música.


A banda lançou recentemente um videoclipe para "Hell de Janeiro", única música em português do disco. Por que escolher esta música para gravar um clipe?
Escolhemos esta música por causa da mensagem. Independente do idioma, esta é a letra mais direta já feita pelo LAC e sintetiza muito bem a temática do álbum como um todo. Além disso, a faixa mostra uma faceta diferente do LAC, explorando riffs mais pesados em uma estrutura mais cadenciada.

Dá pra ver que o vídeo foi gravado em uma favela. Como foram as filmagens?
As favelas são um símbolo do descaso do poder público. Na maioria dos casos, falta uma infra-estrutura básica para que os moradores possam viver com um mínimo de dignidade. Esse cenário de abandono foi perfeito para ilustrar a mensagem que a gente queria transmitir com essa música. Conversamos com a produtora CS Music Vídeos que abraçou a ideia e nos apoiou, realizando parte das filmagens no morro Dona Marta e a outra parte em Vargem Grande, Zona Oeste do Rio.

A letra de "Hell de Janeiro" possui uma forte crítica ao governo e à criminalidade do Rio de Janeiro, mas acredito que isso possa ser estendido praticamente ao país todo, não é?
Sem dúvidas. O Rio de Janeiro passa por um estado de calamidade, mas o restante do Brasil não está muito atrás. Acredito que as pessoas estão gostando do vídeo por se identificarem com ele. Elas vêem o clipe e sabem que aquela é a realidade nua e crua, infelizmente. Curto muito esta letra, pois você consegue encaixá-la em diferentes situações. O trecho "Cidade de ladrão", por exemplo, pode ser direcionado para a criminalidade cotidiana que a gente vê nas ruas do Rio, mas também pode ser usado para o alto escalão da política, vide nosso ex-governador, Sérgio Cabral, preso por roubar/ receber milhões em propinas.

Qual sua opinião quando dizem que usuários de drogas são os maiores financiadores da criminalidade?
O vício em drogas deve ser tratado como doença. Independente do motivo que levou o cara a entrar no mundo das drogas, sair é muito difícil, e até que isso aconteça, muitos usuários perdem seus bens, sua família, amigos... O verdadeiro criminoso costuma ficar impune. É ultrajante saber que uma das maiores apreensões de cocaína já feita na história do Brasil foi no helicóptero de um político e todos os envolvidos estão soltos. (Nota: Confira aqui maiores detalhes sobre este caso)

Eu sempre vejo pessoas reclamando da falta de segurança no país e pedem por mais policiais nas ruas. Particularmente acho que enquanto existir tanta desigualdade social, cidadãos na miséria passando fome e sem poder de compra, a violência urbana não irá diminuir. Qual sua visão á respeito disso?
Você está certo. Para diminuir os índices de criminalidade, você deve ter um entendimento do que leva as pessoas a cometerem esses crimes. Sem ir na causa do problema, por mais que você prenda um bandido, um outro vai surgir no lugar. Do jeito que está, precisamos sim do patrulhamento, mas somente uma abordagem combativa já se mostrou ineficaz. Precisamos de políticas de inclusão social, oportunidades iguais de estudo e trabalho para todas as classes, melhoria nos serviços públicos de saúde e educação, dentre outros fatores. O problema é que nossos políticos só pensam em curto prazo, nas próximas eleições. Falta interesse em investir nesses projetos que só vão gerar frutos 15, 20 anos depois.

Caio, obrigado pela entrevista! Quais os próximos passos da banda agora que o clipe foi lançado?
Muito obrigado por todo o apoio, Julio e Heavy Nation! Estamos embarcando ainda nesse mês de agosto para mais uma extensa turnê européia. Depois disto, temos algumas datas no Brasil e espero encontrar todos os metalheads na estrada! Obrigado e espero que curtam "Hell de Janeiro"! \m/
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11 agosto 2017

ABNORMALITY: brutal death metal com duras críticas às guerras americanas

Por Julio Feriato / fotos: divulgação
Da esq. p/ dir.: Josh Staples (B), Jay Blaisdell (BT), Mallika Sundaramurthy (V), Sam Kirsch (G) e Jeremy Henry (G)
O ABNORMALITY é uma banda americana de brutal death metal radicada em Boston, Massachusetts. Sua discografia ainda é pequena, mas conta com dois belos petardos: "Contaminating the Hive Mind" (2012) e "Mechanisms of Omniscience" (2016).

Musicalmente o grupo segue o caminho já pavimentado por nomes como Suffocation e Immolation, mas talvez o diferencial do Abnormality seja as letras politizadas e a frontwoman Mallika Sundaramurthy, uma headbanger de sangue indiano, que possui um dos vocais mais cavernosos do metal extremo atual! Achou exagerado? Tire a prova nos videos ao vivo que a banda tem no Youtube.

Recentemente entrei em contato com Mallika e ela aceitou bater um papo para falar sobre sua carreira e sobre o atual momento politico dos EUA, com fortes criticas à Donald Trump, seu atual presidente.

Mallika, você pode nos contar um pouco sobre você e sua carreira?
Faz quatorze anos que eu sou vocalista de Death Metal, sendo que estou há doze no Abnormality. Nós lançamos uma demo em 2007 e um EP, "The Collective Calm in Mortal Oblivion", em 2010. Com a Sevared Records lançamos nosso primeiro álbum em 2012, o "Contaminating the Hive Mind".  Atualmente estamos na Metal Blade e com eles lançamos em 2016 nosso segundo álbum, "Mechanisms of Omniscience". Desde então as coisas estão ficando cada vez melhores pra gente.

Na sua opinião qual a maior diferença entre "Mechanisms of Omniscience" em relação aos trabalhos anteriores?
Eu penso que houve uma evolução natural. A gente sempre tenta se superar em cada música nova que compomos, mas sempre mantendo a brutalidade original. Mas acho que a maior diferença veio com Sam Kirsch, nosso novo guitarrista. Tem sido ótimo tocar com ele.

Recentemente vocês fizeram uma turnê ao lado do Napalm Death e do The Black Dahlia Murder. Como foi viajar com essas bandas?
Foi um sonho que se tornou realidade! São pessoas muito legais e foi uma honra compartilhar o palco com bandas deste calibre.

Houve algum fato curioso que ocorreu durante a turnê e que você gostaria de contar?
Realmente foi muito legal ouvir algumas histórias contadas pelos caras do Napalm Death. Você sabe, eles são uma banda totalmente anti-fascismo, e Barney (vocalista) contou que já rolaram brigas com skinheads em alguns shows. Discutir politica com os caras do Napalm foi algo prazeroso.
Apesar de ser uma banda underground, vocês sempre gravam ótimos videoclipes. Qual deles é o seu favorito?
Obrigada! Eu acho que o vídeo para "Mechanisms of Omniscience" é o meu favorito. Tudo tem tudo: ótimos efeitos visuais, efeitos especiais, bons atores, enredo e imagens de banda.

Há uma forte crítica ao governo dos EUA e suas guerras no clipe de "Fabrication of the Enemy". Estou certo?
Sim, você está! Particularmente há uma critica às guerras no Oriente Médio. Acreditamos que elas existem somente para controlar os oleodutos e beneficiar o complexo industrial militar americano.

Eu li em algum lugar que seu pai é indiano. Qual a sua opinião sobre o presidente Donald Trump e sua política contra os imigrantes?
Eu acho que Trump é um presidente ganancioso, ridículo, racista e sexista. Suas políticas são insanas e prejudiciais. Eu sou filha de um imigrante cuja família esteve nos EUA por gerações. Eu acredito que deve haver leis para proteger a América e seu povo, e há muitos caminhos legais para a cidadania.

No Brasil há muitas mulheres na cena metal, mas o machismo ainda é forte por aqui. Como é a cena americana para as mulheres?
Nos EUA também existe machismo, assim como no resto do mundo. O metal ainda é um gênero musical dominado pelos homens, e, infelizmente, mulheres musicistas têm de lidar com comentários sexistas, menos oportunidades e menos respeito no geral. Particularmente acredito que lentamente as coisas estão mudando para melhor, mas ainda há um longo caminho a percorrer para as mulheres terem tratamento justo e igualitário.

O que você sabe sobre a cena brasileira?
Há anos sou muito fã do Sepultura e do Krisiun, eles definitivamente são duas das maiores bandas de metal extremo no mundo. Tenho alguns amigos no Brasil, como a Jacqueline, do Insanity Force; ela sempre me fala sobre a cena metal brasileira. E faz alguns anos que assisti um documentário sobre brasileiras musicistas, o "Women in Metal" (assista aqui)

Vocês já estão compondo novo material?
Sim, estamos bem concentrados nas novas composições. Adianto que como sempre, será algo brutal, técnico e intenso!

Mallika, muito obrigado pela entrevista! Que tal deixar uma mensagem aos headbangers brasileiros?
Obrigada à você, Julio! O Brasil parece ser um país fantástico e cheio de fãs apaixonados. Espero poder tocar por aí em breve! Muito obrigada a todos que apoiam o Abnormality! Cheers!

Discografia: 
"The Collective Calm in Mortal Oblivion" (EP, 2010)
"Contaminating the Hive Mind" (2012)
"Mechanisms of Omniscience" (2016)

08 agosto 2017

E se ROB HALFORD fosse uma DRAG QUEEN?

Por Caio Lima


Não é segredo para ninguém, ou pelo menos para aqueles dotados de um mínimo de bom-senso, que o espaço do heavy metal é um expressamente dominado por homens machistas. Sim, porque somos nós, homens, as figuras supostamente mais importantes desde o surgimento do que hoje pode ser rotulado como metal na cultura fonográfica ocidental. Dessa forma, antes de falarmos sobre o sucesso pungente do cantor e drag queen, Pabllo Vitar, é necessário que reconheçamos algumas coisas. Vamos lá, rapazes, vamos ter uma conversa de homem para homem.

Pabllo Vittar
Primeiro, onde já se imaginou que uma figura tão destoante como a de uma drag queen, ainda mais brasileira, fosse fazer sucesso internacional? É verdade que a carreira do Pabllo ainda precisa subir alguns degraus importantes na escada do sucesso para ser considerada “internacional”, mas, o simples fato de um homem gay, nordestino e afeminado, estar chegando tão perto do sucesso como ele está, incomoda muita gente. Muitos homens, para ser mais exato. 

E, tão logo estas linhas forem lidas, eu sei que surgirão nas cabeças de vários rapazes leitores ideias como: “mas, não é preconceito, é gosto pessoal. O cara canta mal, ele grita”. Sim, meus caros, eu até concordo com vocês. Pessoalmente, não posso ser associado como fã incondicional da carreira ascendente deste cantor maranhense (apesar de meus quadris não resistirem às primeiras notas de “K.O.”, muito menos os meus lábios consigam evitar a dublagem, sempre que toca “Todo Dia”). Justamente por isso, talvez eu esteja mais próximo de vocês do que vocês imaginam. 

O Pabllo Vitar é tudo de que a indústria cultural necessita, especialmente neste momento temporal, para se afirmar “inclusiva”, “democrática”, “à favor da diversidade”, diferentona.

Inclusive, para os mais desavisados, é importante que deixemos clara a escolha do artigo: trata-se de um homem, “o” Pabllo Vitar, ainda que ele possa se identificar com a categoria “fluida” de gênero. “A” Pabllo Vitar é a drag queen, é a personagem que ele encara sempre que veste uma peruca e assume trejeitos femininos em sua expressão de gênero. Quer algo mais lucrativo para esta indústria do que apoiar e levantar uma figura tão revolucionária quanto à de uma drag queen que canta, desde funk, a eletrobrega? Precisamos dar o braço a torcer: a bicha está quebrando barreiras.

Isto nos leva ao segundo ponto do que eu gostaria de tratar neste texto: a atribuição de um preconceito velado ao fato deste não existir, uma vez que, as mesmas pessoas que buscam deteriorar a carreira deste cantor, dizerem-se fãs de figuras do rock e do heavy metal, assumidamente gays, como Fred Mercury, Elton John e até mesmo Rob Hallford (Judas Priest). “Ora, como eu posso estar sendo preconceituoso, se na verdade eu sou fã do Judas Priest? Se eu danço e canto junto com o Mercury, quando ele quer ‘se libertar’”? Pois bem, meus queridos, pasmem: vocês podem, sim, ser preconceituosos quanto à ascensão do Pabllo Vitar e, ainda assim, continuarem como fãs incondicionais destes cantores supracitados e suas bandas. 

Fred Mercury
Isto decorre de um simples fato: nenhum destes caras eram, primeiro, drag queens (apesar de as performances do Mercury levantarem sérias dúvidas nesse sentido), segundo, nenhum deles são-nos contemporâneos e, terceiro, nenhum deles se propôs a cantar, como disse, do funk ao eletrobrega. De onde eu vejo, a suposta “superioridade musical” das obras destes cantores sobrepujariam a sexualidade destes. Ou melhor: apesar de gays, nenhum desses caras se propôs a cantar as bagaceiras que o Pabllo canta. 

E, não me entendam mal, como disse, eu também estou longe de ser um fã incondicional do cantor. Também acredito que ele precise de umas boas aulas de canto, de mais técnica e fluidez performática no palco, para que a sua carreira não seja resumida à “cultura do lacre”. Mesmo assim, eu, enquanto homem gay, bicha, que vivo em um mundo cheio de representações de gênero das mais diversas, e, ainda assim, considero-me fã incondicional (agora, sim!) de inúmeras bandas do heavy metal (do sinfônico ao black), preciso reconhecer que a representatividade que o Pabllo Vitar traz para o público LGBT é inquestionável.

Não se trata aqui de preferências pessoais, até porque, se fosse, precisaríamos rever, com o mesmo olhar de criticidade, uma série de performances ao vivo das nossas bandas de metal preferidas, não? Ou será que nenhum dos front men de nossas bandas preferidas não confundiram um dó menor com um ré maior em pleno show entupido de fãs sedentos? 

O que se apresenta, ao meu ver, é o fato de uma bicha como a Pabllo Vitar (“a”, agora, como artigo que precede um posicionamento político revolucionário e intencional) incomodar bastante os headbangers mais conservadores, pelo simples fato de ela existir e estar fazendo sucesso. E eu sinto muito, pessoal, a cultura LGBT, de algum tempo em diante, não vai mais ficar reclusa às boates, tão estrategicamente localizadas nos recintos mais afastados de nossas cidades. Quer vocês aceitem, quer não, suas críticas à figura deste artista apenas servem para reforçar uma verdade que, de tão velha, é até chata de ser relembrada: somos, todos nós, homens headbangers, machistas, misóginos, LGBTfóbicos e, por tudo isso, incapazes de darmos o braço a torcer quando o assunto é assumir nossos próprios limites e o quão preconceituosas são grande parte de nossas opiniões.

Myrkur
Desnecessário dizer, mas gostaria de finalizar o texto dessa forma, a misoginia de que sofrem grande parte das mulheres em “nossa” cena. Basta que pensemos no fato relativamente recente de misoginia, sofrido pela cantora norueguesa Amalie Bruun, precursora e única responsável pela banda de black metal norueguesa, Myrkur. 

Há alguns poucos anos, falha-me a memória agora para conseguir precisar quantos, mas eu arriscaria, no máximo, dois, essa cantora publicou, na página oficial de seu projeto no Facebook, sobre a necessidade de bloquear o envio de mensagens, atitude que claramente a aborreceu e entristeceu. 

O motivo? Ela estava recebendo ameaças de morte e discursos de ódio dos mais diversos, os quais afirmavam uma mulher “não poder” fazer black metal, pois este seria um espaço pretensamente “dos homens”. Mas, que absurdo, não é mesmo? Uma mulher, esteticamente agradável aos olhos da moda, aventurando-se em uma das áreas mais obscuras, densas e, não curiosamente, masculinizadas do metal. Aquele não era o espaço dela. 

Não é o meu objetivo, aqui, estender-me nos perrengues passados pela cantora, perrengues estes que eu duvido fortemente que tenham cessado. O principal motivo que me leva a não querer falar mais sobre isso é o simples fato de que eu não sou mulher e, por isso, estou longe de entender do que se trata sofrer com discursos misóginos. 

Agora, é no mínimo sintomático que estes caras, talvez os mesmos que odiaram o fato de uma mulher produzir black metal de extrema qualidade (técnica, harmônica e, principalmente, poética), apontem o dedo para o Pabllo Vitar e qualifiquem a sua arte, sua carreira e, por que não, a sua vida, como algo “menor”, amparando-se, notadamente, em argumentos de ordem tecnicista, ou escusando-se em preferências pessoais por cantores assumidamente gays... no cenário do rock e do heavy metal. 

Somos, todos, preconceituosos. Temos, todos, limites em nossa possibilidade de aceitar o outro. Talvez, se aceitássemos e abraçássemos isto, fôssemos capazes de entender que não é da carreira do Pabllo que vocês estão falando, é da sua imagem, é das suas escolhas harmônicas, estéticas e poéticas, que tão claramente divergem daquelas feitas pelo Mercury, John ou Hallford. Mas, não criemos pânico: “a” Pabllo Vitar crescerá independentemente do ódio disparado, porque, acreditem se quiser, nós, LGBTs, estamos acostumados e aprendemos a viver em um mundo que quer a nossa não-existência (algo muito pior do que a morte física). 

E, pasmem! Estamos em todos os lugares.

Mais! Não vamos parar. A Pabllo Vitar é, hoje, uma das figuras mais relevantes no cenário nacional e internacional e ela é apenas mais uma que representa a nossa incômoda e vindoura vitória contra o preconceito. Quer o “mundo do metal” aceite, ou não. E, será que vocês não aprenderam nada com os mesmos mestres aos quais vocês tanto se referem para se autodeclararem “livres de preconceito”?  

Sobre o autor: Caio Lima é professor de história, headbanger e militante da causa LGBTQ em Natal, Rio Grande do Norte.