08 agosto 2017

E se ROB HALFORD fosse uma DRAG QUEEN?

Por Caio Lima


Não é segredo para ninguém, ou pelo menos para aqueles dotados de um mínimo de bom-senso, que o espaço do heavy metal é um expressamente dominado por homens machistas. Sim, porque somos nós, homens, as figuras supostamente mais importantes desde o surgimento do que hoje pode ser rotulado como metal na cultura fonográfica ocidental. Dessa forma, antes de falarmos sobre o sucesso pungente do cantor e drag queen, Pabllo Vitar, é necessário que reconheçamos algumas coisas. Vamos lá, rapazes, vamos ter uma conversa de homem para homem.

Pabllo Vittar
Primeiro, onde já se imaginou que uma figura tão destoante como a de uma drag queen, ainda mais brasileira, fosse fazer sucesso internacional? É verdade que a carreira do Pabllo ainda precisa subir alguns degraus importantes na escada do sucesso para ser considerada “internacional”, mas, o simples fato de um homem gay, nordestino e afeminado, estar chegando tão perto do sucesso como ele está, incomoda muita gente. Muitos homens, para ser mais exato. 

E, tão logo estas linhas forem lidas, eu sei que surgirão nas cabeças de vários rapazes leitores ideias como: “mas, não é preconceito, é gosto pessoal. O cara canta mal, ele grita”. Sim, meus caros, eu até concordo com vocês. Pessoalmente, não posso ser associado como fã incondicional da carreira ascendente deste cantor maranhense (apesar de meus quadris não resistirem às primeiras notas de “K.O.”, muito menos os meus lábios consigam evitar a dublagem, sempre que toca “Todo Dia”). Justamente por isso, talvez eu esteja mais próximo de vocês do que vocês imaginam. 

O Pabllo Vitar é tudo de que a indústria cultural necessita, especialmente neste momento temporal, para se afirmar “inclusiva”, “democrática”, “à favor da diversidade”, diferentona.

Inclusive, para os mais desavisados, é importante que deixemos clara a escolha do artigo: trata-se de um homem, “o” Pabllo Vitar, ainda que ele possa se identificar com a categoria “fluida” de gênero. “A” Pabllo Vitar é a drag queen, é a personagem que ele encara sempre que veste uma peruca e assume trejeitos femininos em sua expressão de gênero. Quer algo mais lucrativo para esta indústria do que apoiar e levantar uma figura tão revolucionária quanto à de uma drag queen que canta, desde funk, a eletrobrega? Precisamos dar o braço a torcer: a bicha está quebrando barreiras.

Isto nos leva ao segundo ponto do que eu gostaria de tratar neste texto: a atribuição de um preconceito velado ao fato deste não existir, uma vez que, as mesmas pessoas que buscam deteriorar a carreira deste cantor, dizerem-se fãs de figuras do rock e do heavy metal, assumidamente gays, como Fred Mercury, Elton John e até mesmo Rob Hallford (Judas Priest). “Ora, como eu posso estar sendo preconceituoso, se na verdade eu sou fã do Judas Priest? Se eu danço e canto junto com o Mercury, quando ele quer ‘se libertar’”? Pois bem, meus queridos, pasmem: vocês podem, sim, ser preconceituosos quanto à ascensão do Pabllo Vitar e, ainda assim, continuarem como fãs incondicionais destes cantores supracitados e suas bandas. 

Fred Mercury
Isto decorre de um simples fato: nenhum destes caras eram, primeiro, drag queens (apesar de as performances do Mercury levantarem sérias dúvidas nesse sentido), segundo, nenhum deles são-nos contemporâneos e, terceiro, nenhum deles se propôs a cantar, como disse, do funk ao eletrobrega. De onde eu vejo, a suposta “superioridade musical” das obras destes cantores sobrepujariam a sexualidade destes. Ou melhor: apesar de gays, nenhum desses caras se propôs a cantar as bagaceiras que o Pabllo canta. 

E, não me entendam mal, como disse, eu também estou longe de ser um fã incondicional do cantor. Também acredito que ele precise de umas boas aulas de canto, de mais técnica e fluidez performática no palco, para que a sua carreira não seja resumida à “cultura do lacre”. Mesmo assim, eu, enquanto homem gay, bicha, que vivo em um mundo cheio de representações de gênero das mais diversas, e, ainda assim, considero-me fã incondicional (agora, sim!) de inúmeras bandas do heavy metal (do sinfônico ao black), preciso reconhecer que a representatividade que o Pabllo Vitar traz para o público LGBT é inquestionável.

Não se trata aqui de preferências pessoais, até porque, se fosse, precisaríamos rever, com o mesmo olhar de criticidade, uma série de performances ao vivo das nossas bandas de metal preferidas, não? Ou será que nenhum dos front men de nossas bandas preferidas não confundiram um dó menor com um ré maior em pleno show entupido de fãs sedentos? 

O que se apresenta, ao meu ver, é o fato de uma bicha como a Pabllo Vitar (“a”, agora, como artigo que precede um posicionamento político revolucionário e intencional) incomodar bastante os headbangers mais conservadores, pelo simples fato de ela existir e estar fazendo sucesso. E eu sinto muito, pessoal, a cultura LGBT, de algum tempo em diante, não vai mais ficar reclusa às boates, tão estrategicamente localizadas nos recintos mais afastados de nossas cidades. Quer vocês aceitem, quer não, suas críticas à figura deste artista apenas servem para reforçar uma verdade que, de tão velha, é até chata de ser relembrada: somos, todos nós, homens headbangers, machistas, misóginos, LGBTfóbicos e, por tudo isso, incapazes de darmos o braço a torcer quando o assunto é assumir nossos próprios limites e o quão preconceituosas são grande parte de nossas opiniões.

Myrkur
Desnecessário dizer, mas gostaria de finalizar o texto dessa forma, a misoginia de que sofrem grande parte das mulheres em “nossa” cena. Basta que pensemos no fato relativamente recente de misoginia, sofrido pela cantora norueguesa Amalie Bruun, precursora e única responsável pela banda de black metal norueguesa, Myrkur. 

Há alguns poucos anos, falha-me a memória agora para conseguir precisar quantos, mas eu arriscaria, no máximo, dois, essa cantora publicou, na página oficial de seu projeto no Facebook, sobre a necessidade de bloquear o envio de mensagens, atitude que claramente a aborreceu e entristeceu. 

O motivo? Ela estava recebendo ameaças de morte e discursos de ódio dos mais diversos, os quais afirmavam uma mulher “não poder” fazer black metal, pois este seria um espaço pretensamente “dos homens”. Mas, que absurdo, não é mesmo? Uma mulher, esteticamente agradável aos olhos da moda, aventurando-se em uma das áreas mais obscuras, densas e, não curiosamente, masculinizadas do metal. Aquele não era o espaço dela. 

Não é o meu objetivo, aqui, estender-me nos perrengues passados pela cantora, perrengues estes que eu duvido fortemente que tenham cessado. O principal motivo que me leva a não querer falar mais sobre isso é o simples fato de que eu não sou mulher e, por isso, estou longe de entender do que se trata sofrer com discursos misóginos. 

Agora, é no mínimo sintomático que estes caras, talvez os mesmos que odiaram o fato de uma mulher produzir black metal de extrema qualidade (técnica, harmônica e, principalmente, poética), apontem o dedo para o Pabllo Vitar e qualifiquem a sua arte, sua carreira e, por que não, a sua vida, como algo “menor”, amparando-se, notadamente, em argumentos de ordem tecnicista, ou escusando-se em preferências pessoais por cantores assumidamente gays... no cenário do rock e do heavy metal. 

Somos, todos, preconceituosos. Temos, todos, limites em nossa possibilidade de aceitar o outro. Talvez, se aceitássemos e abraçássemos isto, fôssemos capazes de entender que não é da carreira do Pabllo que vocês estão falando, é da sua imagem, é das suas escolhas harmônicas, estéticas e poéticas, que tão claramente divergem daquelas feitas pelo Mercury, John ou Hallford. Mas, não criemos pânico: “a” Pabllo Vitar crescerá independentemente do ódio disparado, porque, acreditem se quiser, nós, LGBTs, estamos acostumados e aprendemos a viver em um mundo que quer a nossa não-existência (algo muito pior do que a morte física). 

E, pasmem! Estamos em todos os lugares.

Mais! Não vamos parar. A Pabllo Vitar é, hoje, uma das figuras mais relevantes no cenário nacional e internacional e ela é apenas mais uma que representa a nossa incômoda e vindoura vitória contra o preconceito. Quer o “mundo do metal” aceite, ou não. E, será que vocês não aprenderam nada com os mesmos mestres aos quais vocês tanto se referem para se autodeclararem “livres de preconceito”?  

Sobre o autor: Caio Lima é professor de história, headbanger e militante da causa LGBTQ em Natal, Rio Grande do Norte.



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