03 novembro 2025

HOODED MENACE eleva o death/doom a novos abismos em "Lachrymose Monuments of Obscuration"

Por Júlio Feriato 


Quase vinte anos depois de surgir na Finlândia com um doom/death denso e sepulcral, o HOODED MENACE chega ao sétimo álbum mostrando que ainda há espaço para aprofundar aquilo que já parecia consolidado. Lachrymose Monuments of Obscuration, lançado pela Season of Mist, não reinventa a banda — mas amplia horizontes com inteligência e convicção.

A espinha dorsal continua sendo Lasse Pyykkö, guitarrista e principal compositor. Seu foco quase obsessivo na criação de riffs cativantes permanece evidente: tudo parte dali. Mas desta vez, os arranjos são mais elaborados e atmosféricos, transformando cada música em uma experiência melancólica e cuidadosamente arquitetada.


Gravado com produção inteiramente conduzida em seu próprio estúdio em Joensuu, cidade natal da banda, o disco reflete controle absoluto sobre cada detalhe. Pyykkö esteve presente em todas as etapas, do riff inicial à mixagem final, e o resultado é uma coesão rara: não se trata de uma coleção de músicas, mas de uma obra pensada do início ao fim.

Entre as novidades, o violoncelo, tocado por Antti Salminen, adiciona profundidade emocional, especialmente em “Portrait Without a Face”. Já os sintetizadores inspirados na fase Somewhere in Time do IRON MAIDEN conferem ao álbum uma atmosfera soturna e nostálgica, reforçando o clima de horror gótico característico da banda.

As letras seguem fiéis ao universo do Hooded Menace: imagens surrealistas, decadência e fantasia macabra, sem narrativa linear, funcionando mais como pintura emocional do que história. Um destaque curioso é o cover de “Save a Prayer”, do DURAN DURAN, que Pyykkö transforma em algo que poderia sair de um disco sombrio do PARADISE LOST — ousado, mas surpreendentemente coerente.

Se há uma questão que o álbum levanta, é a duração de algumas faixas. Em certos momentos, a banda parece permanecer um pouco além do necessário dentro de ideias já bem estabelecidas. Nada que comprometa a atmosfera, mas um enxugamento poderia tornar o impacto ainda mais preciso.

De qualquer modo, Lachrymose Monuments of Obscuration é um álbum que respeita o passado, mas se atreve a expandi-lo. É pesado sem ser bruto, melódico sem ser açucarado, e confia plenamente na atmosfera que constrói. HOODED MENACE segue sendo HOODED MENACE — mais profundo, consciente e audacioso do que nunca.


02 novembro 2025

WORLD UNDER BLOOD: uma banda que tinha tudo para ser gigante

Por Júlio Feriato

Da esq. p/ dir.: Tim Yeung, Risha Eryavac, Luke Jaeger, Deron Miller.

Há tantas discussões sobre o motivo de tantas bandas não conseguirem viver apenas de sua música. Para mim, a resposta é até simples: existem bandas demais. É humanamente impossível acompanhar tudo o que é lançado — e no heavy metal isso é ainda mais evidente, porque quase todo fã também é músico e tem um projeto próprio.

E por que estou tocando nesse ponto? Porque talvez aí esteja uma das razões pelas quais o WORLD UNDER BLOOD nunca chegou a estourar mundialmente. Mesmo tendo lançado, em 2011, pela Nuclear Blast, um disco forte como Tactical, a banda passou quase despercebida — muita gente que curte metal extremo sequer chegou a ouvir falar deles.

A história da banda gira em torno de Deron Miller, vocalista, guitarrista e principal compositor do projeto. No Brasil ele é praticamente desconhecido, mas nos EUA sempre teve seu espaço por causa do CKY e, mais recentemente, do 96 BITTER BEINGS, ambos mais voltados ao rock alternativo. Por isso, quando foi anunciado que ele estaria à frente de um projeto de death metal melódico — contando também com Tim Yeung na bateria (ex-MORBID ANGEL), Luke Jaeger na guitarra (SLEEP TERROR) e Risha Eryavac no baixo (DECREPIT BIRTH, ex-ABYSMAL DAWN) — a curiosidade foi quase geral. Mas, quando Tactical saiu, não duvido que muita gente tenha ficado positivamente surpresa. Ele é, sem exagero, um dos discos mais inspirados do death metal dos anos 2010.

Antes de tudo: não, Deron não reinventou o estilo aqui. Não é esse o ponto. Mas ele conseguiu reunir o que havia de melhor no death metal melódico daquele período, somado a influências que, à época, muita gente tinha deixado de lado. Há ecos do death metal técnico da Flórida — algo entre DEATH e CYNIC — mas sempre filtrados pela identidade de Miller. É rápido, é agressivo, mas também melódico e técnico sem cair naquela fritação gratuita que muitas bandas do tech-death adotam. E o grande diferencial é justamente o vocal de Deron, alternando guturais fortes com vocais limpos bem colocados. O resultado, longe de estragar a atmosfera, é o que dá caráter ao disco e também uma camada progressiva, uma personalidade que o distancia do death metal mais genérico. Esse detalhe, pra mim, é acerto, não falha.

Aqui vale destacar outro ponto essencial: a produção, assinada por James Murphy (sim, o ex-DEATH, ex-OBITUARY e ex-TESTAMENT). Murphy conseguiu deixar Tactical nítido, pesado e sem exageros. As guitarras têm textura, a bateria é intensa sem soar artificial e o baixo, ao contrário de muitas produções extremas, está presente e definido. A sonoridade que ele alcança é parte do motivo pelo qual o álbum soa tão atual até hoje.


Entre os destaques, claro, está a faixa de abertura “A God Among the Waste” — veloz, cheia de blast beats, mas também melódica, com harmonizações vocais que lembram aquele espírito experimental do CYNIC antigo. “Pyro-Compulsive” é talvez a música mais bem resolvida do álbum, com riffs memoráveis e mudanças de dinâmica muito inteligentes. E “Under the Autumn Low” traz melodias que grudam na cabeça — facilmente poderia ter sido single, se o projeto tivesse tido mais investimento.

No fim das contas, Tactical nunca soou como um disco feito para agradar à “cena” ou a um estilo específico. E é justamente por isso que funciona. É uma obra sincera, cheia de convicção, que não tenta ser manifesto nem modelo. 

Ah, e o álbum fecha com um cover de “Wake Up Dead” (Megadeth), muito fiel ao espírito do original e executado com respeito.


É uma pena que o WORLD UNDER BLOOD não tenha dado continuidade ao projeto — havia espaço para evoluir muito mais. Mas é possível entender por que isso não aconteceu: o projeto nunca chegou a se tornar uma banda fixa. Tim Yeung logo seguiu para o MORBID ANGEL, enquanto Deron Miller enfrentava sua saída conturbada do CKY e passou a concentrar energia no 96 BITTER BEINGS

Sem turnê, sem formação estável e sem um apoio mais sólido da Nuclear Blast, o WORLD UNDER BLOOD permaneceu como aquilo que sempre foi: um projeto de estúdio criado no momento certo, por músicos que estavam disponíveis naquele instanteJustamente por isso, Tactical soa tão único — e também tão isolado na discografia de todos os envolvidos.

Dito isso, Tactical merece ser lembrado. E, de certa forma, redescoberto.

28 setembro 2025

REVEL IN FLESH: vingança alemã do death metal

Por Júlio Feriato

Embora ainda restrito ao circuito underground europeu, o REVEL IN FLESH se consolidou nos últimos anos como um dos nomes mais consistentes do death metal germânico contemporâneo. Formado em 2011, o grupo surgiu com a proposta clara de homenagear a sonoridade sueca dos anos 90, algo já evidente no próprio nome, retirado de uma faixa do ENTOMBED – referência que não deixa dúvidas sobre suas raízes e intenções.

"The Hour of the Avenger”, quinto trabalho de estúdio, lançado no final de 2019, reforça essa identidade com convicção. O disco abre sem rodeios, oferecendo uma descarga de riffs cortantes e melodias densas que evocam a velha escola escandinava, mas com vigor renovado. Dinâmico, pesado e brutal, o álbum mostra uma banda segura em explorar os limites do gênero sem perder a crueza que o define. O vocalista Ralf Hauber, com seus guturais cavernosos e ocasionais gritos histéricos, dá o tom visceral da obra, conduzindo as composições por territórios tão familiares quanto revitalizados.

A produção, desta vez, recebeu atenção especial: pela primeira vez, a bateria e os vocais foram gravados em estúdios diferentes, enquanto guitarras e baixo permaneceram sob os cuidados do VAULT M. Studios, de propriedade do guitarrista Maggesson. O toque final veio das mãos experientes de Dan Swanö, no renomado Unisound Studios, que além de amigo da banda, é uma lenda viva da cena death metal. O resultado é um som limpo, mas sem esterilização, pesado sem perder nitidez — exatamente o equilíbrio que uma proposta desse porte exige.

Curiosamente, ao longo de sua trajetória, o Revel In Flesh sempre prezou por uma identidade visual ligada ao macabro e ao grotesco. Apenas em “The Hour of the Avenger”, no entanto, um “mascote” sombrio foi introduzido na capa, marcando presença como figura simbólica e expandindo ainda mais a atmosfera da obra. É um detalhe que pode passar despercebido ao ouvinte desatento, mas revela a preocupação da banda em oferecer não só música, mas também narrativa estética.



Se é verdade que muitas formações da onda old school death metal se perderam ao longo do caminho — algumas por insistirem em não evoluir, outras por mudarem radicalmente de direção —, o REVEL IN FLESH parece ter encontrado um ponto de equilíbrio raro. Sem reinventar o gênero ou ambicionar um clássico imediato, a banda demonstra compreender o death metal em sua essência, extraindo dele uma vitalidade que soa atual e honesta. “The Hour of the Avenger” não pretende reescrever a história, mas é prova de que o velho ainda pode soar fresco quando entregue com paixão, técnica e consistência. E, no cenário saturado da música extrema, isso já é um feito que merece atenção.


Atualmente, porém, a banda atravessa um momento crítico: o vocalista Ralf Hauber é o único membro ativo, assumindo vocal, guitarra e baixo. Embora não haja anúncios oficiais sobre o fim da banda, a ausência de novos lançamentos e a saída dos demais integrantes sugerem que o grupo pode estar em uma pausa prolongada, ou até mesmo se encaminhando para o encerramento.

Ainda assim, The Hour of the Avenger permanece como um testemunho da capacidade do REVEL IN FLESH de extrair energia de uma tradição que, em mãos menos inspiradas, poderia soar datada. Mais do que uma homenagem à estética sueca, o disco reafirma o valor de uma banda que, enquanto pôde, trouxe vitalidade e precisão ao death metal alemão.

19 setembro 2025

AT THE GATES e o legado eterno de 'Slaughter of the Soul'

 Por Júlio Feriato

Quando pensamos em death metal melódico, alguns discos surgem imediatamente na memória: Heartwork, dos ingleses do CARCASS; The Gallery, do DARK TRANQUILLITY; The Jester Race, do IN FLAMES. Cada um teve papel fundamental na consolidação do estilo.

Em termos de repercussão, talvez nenhum tenha causado tanto impacto inicial quanto Heartwork (1993). O choque não veio apenas da sonoridade mais limpa e melódica, mas também da guinada lírica: uma banda até então conhecida por letras grotescas e mórbidas, ligadas ao gore e à dissecação anatômica, de repente passou a escrever canções de tom mais sério e crítico. Essa mudança radical ampliou o alcance do CARCASS e provou que o death metal poderia explorar letras com crítica social e reflexão, sem perder intensidade.


Ainda assim, por mais importante que tenha sido, os suecos do AT THE GATES elevaram o death metal melódico a um novo patamar com Slaughter of the Soul, transformando o álbum em um marco definitivo da cena de Gotemburgo.

A banda sueca já vinha chamando atenção na cena europeia, especialmente após o EP Terminal Spirit Disease (1994), mas foi com Slaughter of the Soul que alcançou uma síntese explosiva: riffs velozes e cortantes, bateria incansável, vocais raivosos de Tomas Lindberg e, sobretudo, guitarras que, embora mantivessem os riffs agressivos característicos do death metal sueco, também traziam melodias memoráveis, capazes de permanecer na mente do ouvinte.


O resultado agradou tanto os fãs mais radicais do death metal quanto ouvintes acostumados a sonoridades menos extremas. O impacto foi imediato, e o disco logo passou a ser reconhecido como um divisor de águas do chamado “Gothenburg sound”, termo que batizou o estilo que se firmava na cidade sueca.

Se Heartwork mostrou que era possível suavizar as arestas do death metal sem perder peso, foram as bandas de Gotemburgo — AT THE GATES, IN FLAMES e DARK TRANQUILLITY — que realmente deram forma ao death metal melódico como gênero. Nesse trio, cada um desempenhou um papel fundamental: o AT THE GATES apresentou a versão mais concisa e agressiva; o DARK TRANQUILLITY apostou em atmosferas densas e vocais variando entre guturais e limpos; e o IN FLAMES expandiu o lado melódico com harmonias quase herdadas do heavy metal tradicional. Juntos, esses lançamentos meados dos anos 1990 consolidaram uma estética que, de tão marcante, logo se espalharia pelo mundo.

Gravado no Studio Fredman, com produção de Fredrik Nordström, Slaughter of the Soul contou ainda com a participação especial de Andy LaRocque (King Diamond), que gravou um solo lendário na faixa “Cold”. Há relatos (não confirmados) de que LaRocque recebeu a fita com a base para o solo em velocidade errada e, mesmo assim, conseguiu compor e executar a parte com maestria. Esse detalhe curioso só reforça a aura quase mítica em torno de um álbum que parecia destinado a ser histórico desde sua concepção.

Lançado em novembro de 1995, Slaughter of the Soul não apenas consolidou o “Gothenburg sound”, como também acabou se tornando o último registro do AT THE GATES por muitos anos. Logo após a intensa turnê de divulgação, em 1996, a banda entrou em hiato, alegando desgaste interno e divergências sobre o futuro. Alguns de seus integrantes não ficaram parados: os irmãos Anders e Jonas Björler, junto do baterista Adrian Erlandsson, fundaram o THE HAUNTED, banda que rapidamente conquistou destaque no thrash/death moderno e manteve viva a herança de agressividade deixada pelo AT THE GATES. Esse silêncio prolongado só reforçou o status "cult" de Slaughter of the Soul, que passou a ser visto como um “testamento” definitivo de uma era.


Foi apenas em 2007 que o AT THE GATES se reuniu para alguns shows comemorativos, e em 2014 veio o tão aguardado retorno ao estúdio com At War with Reality. A recepção foi positiva, assim como a de trabalhos seguintes como To Drink from the Night Itself (2018) e The Nightmare of Being (2021), que mostraram uma banda madura e ainda criativa. No entanto, por mais relevantes que tenham sido esses lançamentos, nenhum conseguiu igualar o impacto cultural e musical de Slaughter of the Soul, que segue intocado como o ápice da discografia e a obra que definiu a identidade do AT THE GATES para sempre.

A história, no entanto, ganhou um capítulo doloroso em setembro de 2025, quando a cena perdeu Tomas Lindberg, voz e coração do AT THE GATES. Aos 52 anos, ele não era apenas o frontman de uma das bandas mais influentes do metal extremo, mas também um símbolo de paixão e entrega. Com seu timbre raivoso e sua presença intensa no palco, Lindberg ajudou a transformar Slaughter of the Soul em um clássico eterno e deu identidade a um estilo inteiro. Sua morte deixou um vazio imenso: para a banda, que perde seu narrador visceral; para os fãs, que sempre encontraram em suas letras a mistura de fúria e reflexão; e para toda uma cena que o reconhecia como um dos maiores vocalistas do metal moderno. Mais do que um músico, Lindberg era a alma inquieta do AT THE GATES — e sua ausência será sentida sempre que soar o primeiro riff de “Blinded by Fear”.

Ao revisitar Slaughter of the Soul hoje, é impossível não perceber como esse álbum simboliza tanto o auge criativo de uma cena quanto o legado duradouro de um artista que se tornou voz de uma geração. O disco não apenas ajudou a inventar o death metal melódico tal como o conhecemos, como continua a inspirar músicos e ouvintes a buscar, no equilíbrio entre brutalidade e melodia, uma forma de expressão intensa, direta e atemporal. 


13 setembro 2025

SERENITY (UK): doom britânico que merece ser redescoberto

Por Júlio Feriato

Antes mesmo da banda austríaca de power metal popularizar o nome SERENITY, nos anos 2000, existiu no Reino Unido um grupo homônimo que deixou sua marca discreta, mas sólida, no cenário do doom europeu. Formado em 1994, na cidade de Bradford, West Yorkshire, o Serenity britânico nasceu a partir de músicos ligados ao SOLSTICE, banda inglesa de doom/epic metal, e também de projetos que mais tarde dariam origem ao KHANG.

A primeira aparição oficial veio ainda no verão de 1994, com uma demo-tape de três faixas (Black Tears, Then Came Silence e Spirituality), gravada no Inner City Studio. A fita, hoje considerada item raro de colecionador, circulou em pelo menos três versões de capa, incluindo edições em papel vermelho, e já mostrava a ambição da banda de se destacar no underground europeu. A demo chamou a atenção da gravadora francesa Holy Records, que rapidamente ofereceu ao quinteto a oportunidade de gravar um álbum completo.

O resultado foi Then Came Silence, lançado em 1995. Gravado no Engine Room Studio de Bradford, o disco revelava uma banda já madura para os padrões do underground: riffs pesados, arranjos épicos e uma atmosfera melancólica que lembrava MY DYING BRIDE e CANDLEMASS. A abertura com Black Tears dá o tom do álbum, combinando riffs densos com os vocais limpos e marcantes de Daniel Savage. A faixa-título é outro ponto alto, alternando momentos de opressão sombria com passagens mais dinâmicas, mostrando a capacidade da banda de variar o ritmo sem perder a coesão. Mesmo assim, o Serenity sabia surpreender: a curta One for the Red Sky trazia energia direta e veloz, quase destoando do clima doom, enquanto I Am With You, com mais de oito minutos, mergulhava profundamente em atmosferas arrastadas e sombrias.

A recepção foi positiva dentro do underground. Then Came Silence recebeu 17/20 no site Spirit of Metal, e faixas da banda apareceram em compilações da Holy Records, como The Holy Bible 1 (1996), com a inédita Skin of the Soul. Em pouco tempo, o Serenity havia conquistado um espaço respeitável, ainda que restrito, na cena europeia.

Em 1996, a banda retornou ao estúdio para registrar Breathing Demons, seu segundo e último álbum. Mais pesado, voltado ao death-doom e ao gothic doom, o disco dividiu opiniões: recebeu apenas 12/20 no Spirit of Metal e não alcançou a mesma repercussão do debut. Pouco depois, sem anúncios formais ou turnês expressivas, o SERENITY entrou em silêncio, sendo oficialmente considerado inativo apenas em 1997.

O legado, entretanto, não se perdeu. Alguns ex-membros fundaram o KHANG (1998-2004), que posteriormente originou o LAZARUS BLACKSTAR, voltado ao sludge/doom. Apesar de pesados e consistentes, esses projetos nunca atingiram a aura épica e atmosférica que marcou o Serenity nos anos 90.

Hoje, o SERENITY permanece como uma banda que merece ser redescoberta pelos fãs do gênero. Seu nome ressurge sempre que se revisita a história de um estilo que fez da melancolia e da densidade sonora sua principal linguagem — e que, no caso desta banda de Bradford, encontrou uma de suas expressões mais autênticas e obscuras.


10 setembro 2025

AMEN CORNER e o impacto do debut "Fall, Ascension, Domination" no underground brasileiro

Por Júlio Feriato

O AMEN CORNER surgiu envolto em polêmica. Logo no início da carreira, uma entrevista concedida à revista Rock Brigade incendiou a cena: o vocalista Paulista — hoje conhecido como Sucoth Benoth — declarou abertamente sua adesão ao satanismo e disparou que o thrash metal era “coisa de boy”. A alfinetada não foi gratuita. O alvo, como muitos entenderam, eram bandas como PANTERA e SEPULTURA, que na época já haviam conquistado um público mais amplo, distante da essência underground do metal.

A partir dali, escrevia-se uma nova página do black metal brasileiro. E o AMEN CORNER foi, sem dúvida, um dos grandes responsáveis por popularizar o estilo no país. Se antes quase não se ouvia falar de bandas do gênero, pouco tempo depois o cenário se transformaria.

Em 1993 a banda lançou seu debut: Fall, Ascension, Domination. Um álbum que, para mim, permanece insuperável. Confesso que, na primeira audição, não gostei. A produção me soou estranha, e o vocal, cheio de efeitos, parecia baixo demais na mixagem. Mas logo depois me vi completamente viciado.

Fall, Ascension, Domination não é apenas o primeiro registro do AMEN CORNER — é um manifesto. O álbum combina agressividade extrema com claras influências de doom metal, criando uma atmosfera própria, intensa e abrasileirada, distante da frieza do black metal norueguês. A produção é crua, mas mantém clareza: as guitarras cortam como lâminas, a bateria soa ríspida, e a voz de Paulista é um grito de guerra contra qualquer resquício de luz.

Essa fusão de peso, melancolia e densidade era, aliás, uma característica marcante do black metal brasileiro da época: músicas carregadas de atmosfera sombria e introspectiva, que conviviam com a agressividade típica do estilo. Para mim, essa combinação de brutalidade e lirismo sombrio foi o que deu ao AMEN CORNER — e a muitas bandas do cenário nacional — uma identidade própria e inconfundível.


O disco abre com riffs intensos e compassos diretos, sem espaço para contemplação. Faixas como “On the Throne with Lucifer” e “Heir of Lust, Heir of Pleasure” (que me impactaram profundamente) são exemplos de como o AMEN CORNER soube equilibrar agressividade, rispidez e atmosfera. Não era só barulho: havia construção, havia intenção. Ouvir o álbum inteiro era atravessar um ritual — sombrio, extremo e fascinante.

Para quem viveu aquele momento, o disco significava muito mais do que música: era uma senha de pertencimento. Ter Fall, Ascension, Domination na coleção era como carregar um brasão, um atestado de que você realmente fazia parte do underground.

Amen Corner no lendário "Passport to Hell" (1994). Foto: Facebook

Eu fui um desses fãs de carteirinha. Escutava o álbum sem parar, decorava cada letra, vivia aquela música como um evangelho sombrio. Até que veio o batismo real: o show em Bauru/SP, no festival Passport to Hell. Eu tinha apenas 16 anos e nunca havia pisado em um evento underground de death e black metal. Aquilo foi o paraíso. O público era exatamente como eu sonhava: cabelos longos, roupas pretas, camisetas de bandas obscuras que não eram do mainstream.

Tive a chance de conhecer os músicos e até me senti importante quando um dos guitarristas me convidou para tomar uma cerveja no bar. Eu só pensava: “ninguém vai acreditar quando eu contar isso”. Guardo até hoje a lembrança de quando ofereci um copo de vinho a Tito — hoje rebatizado como Murmúrio. Ele recusou, berrando que “não tomava sangue de Cristo!”. Rimos. No geral, todos foram simpáticos e acessíveis. Com exceção do vocalista Paulista, que mal levantava os olhos para falar duas ou três palavras. Na época, achei-o um mala sem alça. Talvez a evidência em que a banda se encontrava tivesse subido à cabeça. Curiosamente, anos depois, quando o entrevistei no meu saudoso Heavy Nation, encontrei um sujeito bem mais simpático.

Aquela noite ficou marcada. Se pudesse, voltaria no tempo para reviver tudo. Porque o metal daquela época ainda era cru, intenso, sem as diluições que viriam depois. Não havia new metal, não havia emocore. E a Galeria do Rock fervilhava de lojas de discos e headbangers, não dessa mistura de estilos que hoje ocupa o espaço. Era um outro mundo, e o AMEN CORNER estava no centro dele.

Que fique claro: não tenho nada contra new metal ou emocore. Só que, para mim, eles não tinham a ver com aquele universo específico em que eu estava mergulhado. 

07 setembro 2025

MORFIN: consumidos pela chama do death metal noventista

Por Júlio Feriato

Enquanto muitas bandas veteranas de metal extremo insistem em retornos pouco inspirados, a cena underground vê nascer diversos grupos jovens — mas poucos conseguem capturar a essência do death metal clássico. Na Califórnia, porém, há uma banda determinada a manter vivo o espírito noventista do gênero: o MORFIN.

O quarteto estreou em 2014 com Inoculation, um álbum que já mostrava maturidade surpreendente para uma banda tão jovem. Com Jesus Romero (vocais/guitarra), Pedro Gonzales (guitarra), Michael González (baixo) e Miguel Hernándes (bateria), o grupo entregava riffs densos e melodias que remetiam diretamente ao espírito da velha escola, estabelecendo a identidade sonora do MORFIN. A produção de Inoculation é satisfatória para um disco de estreia underground: embora não seja brilhante, consegue transmitir o peso das guitarras e a força da bateria de maneira convincente, permitindo que as composições se destaquem.

Em 2017, o MORFIN lançou seu segundo álbum, Consumed by Evil. Da formação original, permaneceram o baixista Michael González e o vocalista/guitarrista Jesus Romero (creditado no disco como Chucho Mairen). Para completar o time, entraram Eduardo Andrade na bateria e Mike De La O na guitarra. O álbum se destaca não apenas pela fidelidade ao estilo noventista, mas também pelo futuro promissor que os novos integrantes encontrariam dentro do death metal. Pouco depois, Mike De La O passou a integrar o SKELETAL REMAINS, ajudando a consolidar a identidade sonora da banda, enquanto Eduardo Andrade também teve passagem registrada pelo grupo. Dessa forma, o MORFIN acabou servindo como ponto de partida para músicos que mais tarde alcançariam maior projeção internacional, o que reforça o valor histórico de Consumed by Evil.

Musicalmente, Consumed by Evil amplia as ideias de Inoculation, com composições mais refinadas e complexas. A primeira impressão ao ouvir o disco é quase cinematográfica: como se o lendário Chuck Schuldiner tivesse deixado algumas composições inéditas de Leprosy guardadas em um cofre, apenas para que fossem reveladas agora. A voz de Chucho Mairena evoca a agressividade e a entonação de Chuck, enquanto as guitarras exploram melodias que lembram uma fusão entre Spiritual Healing e Leprosy, com toques do peso sombrio do OBITUARY.

A faixa de abertura “Reincarnated” mostra riffs cortantes, estruturas bem costuradas e energia que remete diretamente ao auge da velha escola. Músicas como “Slowly Dismembered” e “Illusions of Horror” continuam a linha da velha escola, enquanto “Posthumous” poderia facilmente ter sido parte de uma demo de pré-produção de Human, evidenciando o profundo respeito pelo legado do DEATH. Comparado ao GRUESOME, outro revivalista da cena, o MORFIN soa mais natural, maduro e espontâneo.

Lineup de "Inoculation".

O que impressiona nos dois discos é a maturidade alcançada pelos músicos, mesmo tão jovens. Eles conseguem capturar a essência da época sem cair em mera imitação. No entanto, há uma diferença importante na produção: enquanto Inoculation consegue transmitir o peso necessário para as composições, Consumed by Evil sofre com uma gravação realmente fraca, que mais parece uma demo lançada como álbum. As guitarras perdem densidade, a bateria não soa contundente, e o conjunto geral carece de clareza e impacto, prejudicando o potencial do disco de alcançar maior destaque na mídia especializada.

Ainda assim, essa crueza sonora pode ser interpretada como charme adicional para fãs que buscam reviver o clima do underground da época. No fim das contas, Inoculation e Consumed by Evil são essenciais tanto para veteranos nostálgicos quanto para jovens headbangers que desejam experimentar a brutalidade e a atmosfera que moldaram o death metal no início dos anos 90.