30 novembro 2017

RESISTÊNCIA TRANSVIADA: o grito de liberdade contra o conservadorismo na cena roqueira

Por Karine Campanille / Fotos: Juliana Marota

Xerxes 
O Resistência Transviada foi um evento idealizado por e para pessoas LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transvesti gêneros, queers, intersexuais e outros), com intuito de dar visibilidade para bandas que tem integrantes que se enquadram na sigla, assim como dividir o espaço com variantes de nossa cultura, como apresentação de drag queens e o mais importante de tudo, fazer um evento seguro pra pessoas que curtem vertentes de punk e metal e não frequentam eventos voltados a esses estilos musicais por não se sentirem totalmente acolhidas e seguras. Quando digo "seguras" é por razões que talvez algumas pessoas heterossexuais e cisgêneras (cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento) julgam ser 'vitimismo', 'frescura', 'mimimi'.


Porém, a questão é que em nenhum evento "tradicional", pessoas LGBTQI+ se sentem livres para, de repente, se pegar nuns beijos; pois se for um casal de homens a probabilidade de serem hostilizados é enorme, se for de mulheres ainda rola fetichização por parte de muitos homens cis, se forem pessoas trans ou queer suas identidades de gênero são desrespeitadas (tem lugar que rola proibição de se usar os banheiros de acordo com o gênero que a pessoa se identifica), além de piadas machistas, homofóbicas, transfóbicas, misóginas, olhares de reprovação, ou seja, comportamentos que a sociedade sujeita essas pessoas, portanto, muitas na hora de escolher um lugar pra se divertir acabam escolhendo até aqueles que elas não curtem o som, mas são bem recebidas.


Quantas vezes não convidei amigos e amigas minhas LGBTQ pra alguma gig que eu ia tocar e me disseram que não colavam mais por já terem passado por experiências ruins? Isso me deu um estralo que estava na hora de se fazer um evento voltado para nós, pois infelizmente ainda é necessário um evento separado e exclusivo pra esse público com os sons que gostamos, que não são só as divas pop. Nisso, no meio desse ano eu e mais três amigas envolvidas na cena underground punk e metal formamos um coletivo pra colocar esse evento em prática.


E estávamos certas. No dia do evento o ceú desabou em chuva por São Paulo toda, enquanto a hora de começar o evento se aproximava a chuva só aumentava, os arredores se enchiam de água e nosso medo de não colar ninguém tomava conta. Mas mesmo com tamanha chuva, aos poucos integrantes das bandas iam chegando, drags, pessoas que iam expor seus trabalhos, vender comida, e finalmente, pingando como a chuva que diminuía beirando a meia-noite foi chegando o público e aos poucos enchendo a casa e na hora que tudo estava pronto pra começar eu estava maravilhada ao ver tanta gente que enfrentou aquele mau tempo, chegando todas estilosas, viados, sapatões, travestis, homens e mulheres trans, pessoas queers e também héteros (dessa vez como minoria). E qual a diferença disso? Senta aí que vou contar.

Vee Wayward
Enfim, a chuva atrasou tudo, mas a drag queen Vee Wayward abriu a festa com sua apresentação de estreia que colocou todos pra cima, logo depois veio a Audrey pra completar fortemente a emoção. E com todos com os corações aquecidos começa Bioma, banda feminina de queer core que levou todos pro mosh — isso já é uma cena difícil de se ver em eventos na capital paulista, que o público costuma ser mais frio, agora imagina ver uma roda das transviadas todas se jogando, pogando, moshando e batendo cabelo? Da minha parte eu digo que via e participava daquilo e não conseguia acreditar no que estava acontecendo, maravilhada.

Audrey
E pensa que, quando a Bioma terminou de tocar, durante o intervalo pra preparação do 2º bloco do evento, se formaram casais e policasais, se beijando e se acariciando e sem se preocuparem com violência, fetichização ou qualquer forma de discriminação. Isso pra mim foi inédito num espaço voltado pra metal e punk. O que prova que a liberdade que tais estilos dizem promover ainda precisa muito ser revista e evoluir, pois essa experiência que presenciei não existe em espaço onde héteros e cisgêneros são maioria.

Jenny Jinx
O próximo bloco contou com a apresentação da Jenny Jinx e Ricardo Miguel, que trouxeram o ideal de liberdade de nossos corpos. E então tocou Rastilho com seu crust finíssimo e empoderado, que enlouqueceu todos no espaço e quase levou à exaustão com tanta energia que envolveu o público.

Hellarise
Pra finalizar veio a parte metal, onde Föxx Salema mandou com sua voz poderosa covers de heavy metal e hardcore, abrindo pra HellArise, banda de thrash metal que levantou a galera já exausta às 4h e pouco da madrugada. Depois Xerxes com sua apresentação esbanjando carisma abriu pra Kultist, que fechou o evento com seu metal taciturno e envolvente do universo lovecratiano. Era quase 6h da manhã e tinha público no pico!

Kultist
Pra nós da organização foi uma experiência tão única e realizadora, que com todas as respostas que tivemos do público resolvemos que esse evento acontecerá três vezes por ano e sempre nesse formato, com bandas com pelo menos um integrante LGBTQI+ junto com as apresentações das drags, que deram toda a magia e cara desse evento.



10 novembro 2017

SHADOWSIDE: "Shades of Humanity foi um álbum difícil de finalizar", revela Dani Nolden

Por Julio Feriato / Fotos: divulgação

Da esq. p/ dir.: Fabio Buitividas (bateria), Raphael Mattos (guitarra), Dani Nolden (vocal), Magnus Rosén (baixo)
Desde o lançamento de seu primeiro disco em 2005, o Shadowside vem lapidando seu caminho no cenário mundial do heavy metal a passos largos e com muita convicção sobre onde chegar. O divisor de águas na carreira do grupo talvez seja o excelente "Inner Monsters Out" (2011), gravado na Suécia com produção do renomado Fredrik Nordström, (conhecido por produzir bandas consagradas como Dimmu Borgir, In Flames, Dark Tranquility, Hammerfall e muitas outras) que trouxe uma sonoridade mais pesada, agressiva, além de uma produção infinitamente superior aos trabalhos anteriores. 

O resultado daquele disco agradou tanto que a banda voltou a trabalhar com ele em "Shades of Humanity", novo álbum lançado este ano e que contou com o baixista Magnus Rosén, conhecidíssimo por aqui por ter tocado no Hammerfall durante muitos anos. Conversei com a simpática vocalista Dani Nolden sobre esta nova fase do grupo, e o resultado você lê a seguir.


Capa de 'Shades of Humanity'
Dani, primeiramente parabéns pelo resultado alcançado em 'Shades of Humanity'! Agora que ele finalmente foi lançado, quais seus sentimentos em relação a este trabalho?
Obrigada, Julio! É difícil descrever a sensação de ver o “Shades of Humanity” lançado e bem recebido. Eu não sei te dizer qual é a sensação para os meninos da banda, mas pra mim, esse é o álbum mais especial da minha vida e da minha carreira. É sempre muito legal lançar um trabalho novo, mas eu fiquei encarregada de todas as letras dessa vez, e acabei criando um vínculo emocional muito grande com esse álbum. Além disso, tivemos muitas dificuldades pra conseguir finalizar o trabalho, principalmente por causa de problemas pessoais, que tornaram o lançamento do “Shades of Humanity” uma vitória e tanto. 

Todos nós tivemos dificuldades durante a composição do álbum, mas exemplificando apenas com a minha situação, eu lutei contra uma depressão durante muitos anos, sem nem saber que estava com depressão, e foi algo tão sério que eu passei a simplesmente não gostar mais de música... Nem sequer de ouvir música. Eu passei cerca de um ano sem ouvir uma nota musical de qualquer artista sequer. Então, quando finalmente consegui voltar a me interessar por música, a compor, a cantar e quando o álbum estava pronto, gravado, nas minhas mãos, eu desabei de chorar (risos). 

Foi um choro de alívio, de felicidade e de realização. Naquele momento, pensei: “não vai importar se ninguém gostar deste trabalho... É o álbum da minha vida”. E felizmente, parece que todos estão gostando muito, e, musicalmente, eu o considero nosso melhor trabalho até hoje!



Mais uma vez vocês trabalharam com o produtor sueco Fredrik Nordström. Além da produção, qual foi a participação dele na concepção deste disco, ele deu algum 'pitaco' nas composições?
Sim! O Fredrik e o Henrik produziram o álbum em parceria, mas o Henrik ficou encarregado mais da mixagem e o Fredrik da produção em si. Ele mexeu em muita coisa com a gente, inclusive tanto a melodia quanto a harmonia do refrão de “Insidious Me” foi composta por ele, pelo Raphael, nosso guitarrista, e por mim. Eu não estava satisfeita com o refrão que eu tinha feito originalmente, e, como sempre, nós decidimos que não nos conformaríamos com simplesmente terminar uma música. Tem que ser algo que nós realmente gostamos ou não gravamos. Então ficamos alguns dias debatendo, experimentando melodias, testando várias opções, até que encontramos o refrão da música. 

Ele sempre dá as opiniões dele de uma forma muito honesta e nós adoramos isso, porque ele é o nosso primeiro filtro. E também gostamos que ele respeita quando temos convicção de que algo realmente deve ficar daquele jeito, mesmo quando ele sugere algo diferente; é uma parceria muito saudável. Trabalhamos com outros produtores antes que não aceitavam quando nós discordávamos. Então, quando trabalhamos com o Fredrik pela primeira vez, nós chegamos lá aceitando tudo que ele dizia, até que ele disse pra nós: “ei, vocês não precisam aceitar tudo que eu falar. São só sugestões”. A partir daquele momento, a parceria passou a fluir de vez. A gente escuta e respeita demais a opinião dele, e ele respeita muito a nossa visão artística.

Show em Paris, França, em 2013
Você acha que deve existir algum limite artístico entre produtor e a banda?
Sim, acredito que sim. O produtor precisa ajudar a banda a extrair o seu máximo e chegar no que a banda quer chegar, sem mudar o direcionamento, a visão da banda. Ser produtor não é fácil, porque o produtor precisa entender o que a banda busca, saber orientar sem transformar tudo na mesma coisa. Eu não sei se eu seria capaz de fazer isso, de colocar meus gostos musicais de lado pra fazer uma banda chegar naquilo que ela se propõe a fazer, mesmo que seja algo que eu não curta. E tanto o Fredrik quanto o Henrik são caras que produzem várias coisas muito diferentes dentro do rock e do heavy metal, e nada soa parecido. Até os timbres de guitarra que eles tiram são diferentes de uma banda pra outra.

Penso que a banda precisa saber exatamente quem ela é musicalmente, e onde quer chegar, e o produtor precisa respeitar essa visão e auxiliar a banda a chegar lá. Por isso, é importantíssimo que banda e produtor se conheçam e conversem antes de começar a trabalhar, pra todo mundo ter certeza que está de acordo com o que vai ser feito, e como vai ser feito. Não existe um jeito errado de trabalhar, mas existem jeitos que funcionam pra alguns e não funcionam pra outros.

Revista japonesa  Burnn!!!
Achei que as músicas novas estão mais encorpadas, com riffs mais pesados e até um certo 'groove'. Essa era a ideia desde o inicio ou foi algo que surgiu naturalmente durante o período de composição?
Simplesmente surgiu, a gente não força a direção das composições. Que seria pesado, a gente já sabia, porque sempre achamos que dá pra ficar um pouquinho mais agressivo (risos). Mas o ‘groove’ foi surgindo naturalmente. O Raphael gosta muito de bandas com ‘groove’ e isso provavelmente acabou influenciando quando ele fez os riffs

A gravação foi bem interessante por conta disso, foi engraçado como o Magnus, que é sueco, não estava acostumado a gravar esse tipo de coisa, e os produtores não entendem algumas coisas que a gente faz, como as antecipadas que tanto eu quanto o Raphael gostamos de compor, e dizem “vamos confiar em vocês” (risos). Nós não temos influência direta da música brasileira, mas essa “brasilidade” está presente na nossa vida, não tem jeito de não influenciar de alguma forma. 

Nosso som não soa brasileiro, não parece ter influência da música nacional, mas de certa forma, tem. Por isso, por mais que a gente tenha uma sonoridade parecida com a das bandas suecas, tem um toque diferente, principalmente porque não tentamos copiar deles, nós só fazemos aquilo que vem na cabeça, e sai isso aí! (risos) 

Misturamos bastante os riffs pesados e agressivos com arranjos detalhados, tanto de guitarra quanto de teclado, com bastante melodia. Nós queríamos mesmo que tudo soasse bem encorpado e orgânico, com aquela energia do som ao vivo.


O primeiro single foi 'Alive'. Qual o critério usado para escolher esta música como a primeira a representar "Shades of Humanity"?
Na verdade, quem escolheu a música foi o diretor do videoclipe, o Daniel Stilling. Desde o começo, todo mundo gostou bastante de “Alive”, tanto nós da banda quanto os produtores e pessoas que chegaram a ouvir antes de lançarmos o trabalho, mas as pessoas também gostavam bastante de “The Fall”, “Beast Inside”, “What If” e “Drifter”. Então, deixamos que o Daniel escolhesse, porque como ele iria fazer o roteiro do videoclipe, pensamos que ele deveria escolher a música que mais o inspirasse, e ele escolheu “Alive”. 

Acabou se tornando um curta-metragem de quase 10 minutos, com várias histórias de sobrevivência e uma fotografia incrível, o que não é surpresa, afinal o Daniel já trabalhou em superproduções, como o filme “Perdido em Marte” e o seriado “Criminal Minds”. 

Com o diretor Daniel Stilling
Vocês planejam gravar outros videoclipes? Acho que um para "The Fall" seria perfeito!
Eu adoraria! O Dan está falando que quer filmar mais, o problema é a gente ir para os Estados Unidos de novo, o bolso não aguenta (risos). E mesmo um videoclipe mais simples, filmado aqui, no momento é inviável. Mas temos planos, sim. Assim que possível!

Como está o entrosamento com o baixista Magnus Rosén?
Não poderia estar melhor, ele é a peça que estava faltando na Shadowside. Ele pensa exatamente como a gente, ou seja: ele pensa diferente, e fala exatamente o que está pensando, porque é sempre para o bem da banda! Eu sinto que o que torna a Shadowside especial é justamente o fato de a gente conciliar quatro opiniões, gostos e históricos completamente diferentes, até que todos estejam satisfeitos. Não vou mentir e dizer que isso é fácil, porque não é. É um dos motivos de vários baixistas não terem ficado na banda. 

Eu, o Fabio e o Raphael temos esse método de trabalhar desde 2007, e sabemos que nem todo mundo se adapta a ele. Dificilmente nós fazemos elogios entre nós mesmos, porque não vemos sentido em fazer isso. Não adianta eu falar pro Fabio que ele está tocando muito, ou o Raphael falar pra mim que eu estou cantando demais, se os fãs não concordarem com isso. Não somos nós que temos que fazer os elogios! Tem que haver criticas entre nós mesmos, do contrário, não vamos crescer. 

E não é fácil você trabalhar durante um mês em uma música e ouvir que ela não está legal, só que nós sempre temos em mente que isso é pelo bem da banda. Se não está legal, vamos trabalhar pra ficar legal. E o Magnus veio exatamente com esse pensamento, ele fala de forma respeitosa, mas fala o que precisa falar, assim como a gente fala pra ele, e o entrosamento foi simplesmente maravilhoso. 

Ele foi ao estúdio várias vezes só pra ver como tudo estava ficando, mesmo depois de terminar de gravar. Está sempre interessado, sempre orgulhoso de estar na banda. É o músico mais experiente que já passou pelo Shadowside, é um cara que já tem discos de ouro, já foi indicado ao Grammy, e é o baixista que mais “vestiu a camisa” da banda até hoje. 

Não significa que os baixistas que tocaram conosco antes não tenham se esforçado ou “vestido a camisa”, mas o Magnus veio pra banda com uma “garra” que eu nunca tinha visto antes.


Em uma outra entrevista você me confirmou que ele é baixista definitivo e não gravou apenas como contratado. Já que ele mora na Suécia e o restante no Brasil, como está o planejamento para gerenciar a agenda de vocês, visto que geograficamente estão todos bem longe?
Nós sempre tivemos a necessidade de coordenar a agenda, porque viajar pra fora de São Paulo pra fazer só um show sempre fica inviável, já que viajar dentro do nosso próprio país é caro. Então não muda muita coisa. 

Lá na Europa, já fazemos sequências de shows de qualquer forma, então a única diferença é que provavelmente vamos ter que ir uma semana antes pra fazer alguns ensaios, e vai ser da mesma forma aqui no Brasil, vamos armar uma sequência e ele vai chegar uma semana antes pra ensaiarmos. Ele só não vai tocar com a gente se já tiver compromisso agendado e não puder desmarcar, mas isso já aconteceu até com o Fabio, o nosso baterista, que não tocou com a gente em Manaus porque ele é produtor da Fafá de Belém e infelizmente não conseguiu um substituto naquela data. 

Como a Shadowside não é nosso sustento, não dá pra forçarmos todo mundo a abandonar outros trabalhos. Mas fora situações extremas assim, o Magnus estará conosco em todos os shows!

Uma característica que sempre admirei na Shadowside é o profissionalismo, com trabalhos bem produzidos, músicas incríveis, shows impecáveis, ou seja, vocês tem todos os requisitos para cair no gosto do público. No entanto, vejo que pelo menos no Brasil, a grande massa ainda não dá à vocês o devido valor que merecem e preferem sempre idolatrar os ídolos já conhecidos. Qual a sua visão à respeito disso?
Acho que o grande problema é que a grande massa simplesmente não conhece mais do que os grandes ídolos. Existem poucos espaços na grande mídia disponíveis para artistas que não sejam os já consagrados há muito tempo, demora muito aqui no Brasil para que uma banda conquiste o respeito ou a atenção de uma parcela da mídia não especializada, e infelizmente, sem esse espaço, as bandas mais novas simplesmente não vão chegar ao mesmo patamar que as mais antigas.

Parte do problema é que as pessoas que não conhecem heavy metal simplesmente não levam o estilo a sério, e por conta disso, o público os rejeita, então quando uma banda finalmente consegue espaço em um tipo de mídia mais "comum", muitos fãs acabam ficando ofendidos, dizendo que a banda se vendeu, que virou "modinha".

É compreensível que exista essa rejeição por parte do público de heavy metal com relação a algo que se torna popular, porque é um meio que sempre rejeitou o metal, e de repente alguém que sempre amou o estilo vai ser rotulado da mesma maneira que alguém que só passou a ouvir porque apareceu na TV, mas não acho que exista outra solução para que o público se renove. 

O heavy metal é forte em países na Finlândia porque o estilo lá é muito difundido. Aqui, percebo que tem muita gente que gosta de heavy metal, mas não conhece mais do que o Iron Maiden ou o Metallica... Alguns os chamariam de "posers", mas precisamos entender que nem todo mundo é tão envolvido com o estilo de vida heavy metal, e simplesmente gosta de um bom som, mas não corre atrás de outras bandas. 

Então, não me sinto desvalorizada como cantora ou como banda, pois grande parte do público não conhece grande parte das excelentes bandas brasileiras que temos, e o único jeito de mudar isso é aumentando a visibilidade do heavy metal como um todo. Uma grande prova disso é a quantidade enorme de fãs que nós conquistamos, especialmente no início da carreira, em Santos, porque distribuíamos panfletos na porta das escolas, para pessoas que não estavam normalmente nos shows de metal da cidade. Eram adolescentes que curtiam heavy metal, mas nem sabiam da existência de bandas de metal na cidade.

A divulgação underground simplesmente não chega em muita gente que queria saber daqueles eventos e bandas. O público não se renova porque não existe mais essa divulgação em massa do heavy metal, então as crianças e adolescentes nem chegam a conhecer heavy metal enquanto ainda estão formando seu gosto musical... Eu tive acesso ao Guns n' Roses quando tinha 11 anos de idade por causa da MTV, que dedicava um belo espaço ao rock naquela época. Então, infelizmente, nada disso vai mudar enquanto não voltarmos a espalhar heavy metal por aí. 

Não é culpa de ninguém, mas temos que voltar a mostrar a força e a voz que os fãs de metal têm, e começar a pedir a presença das bandas em festivais de música que reúnam vários estilos diferentes, em rádios, em programas de tv... não só das bandas brasileiras, mas de qualquer banda de heavy metal que esteja longe dos olhos da grande massa.

Show em Bucharest, Romênia
Esse compromisso e profissionalismo que mencionei acima é algo que infelizmente falta na grande maioria das bandas brasileiras e eu sei que muitas delas sentem uma certa dor de cotovelo por vocês já terem feito turnês grandes no exterior e por sempre exigir o mínimo de profissionalismo dos produtores nos shows daqui. Você acha que esse tipo de atitude é uma das coisas que mais atrapalham o crescimento de nossa cena?
Sem sombra de dúvida. Sobre a dor de cotovelo, eu não sei se ela existe, mas se existir, penso que isso não chega a atrapalhar alguma coisa. Mas com relação ao profissionalismo, o que algumas bandas ainda não entendem é que quando lutamos por melhores condições de shows, todas as bandas se beneficiam com isso. Se todas as bandas fizerem isso, os espetáculos brasileiros seriam tão bons ou melhores que os estrangeiros, porque não falta banda boa no metal brasileiro.

Uma das coisas mais importantes pra nós é a pontualidade e organização de horários dos shows, que beneficia o público e as bandas, porque evita cortes de horário, faz com que a última banda não seja obrigada a tocar às 5h da manhã, e permite que as bandas façam vários shows seguidos. Quando tocamos em Belém/PA em 2012, nós fizemos o show e já fomos direto para o aeroporto, porque tínhamos outro show no dia seguinte, em outro estado. Com essa “cultura do atraso”, esse tipo de coisa fica difícil de fazer, e não conseguimos implementar a rotina de turnês aqui no Brasil como existe na Europa.

Existe um motivo pra tudo que pedimos nos nossos shows, seja pra manter a qualidade do som, seja pra agilizar a troca de palco entre as bandas. Não pedimos nada por estrelismo. Cada banda tem que saber aquilo que ela precisa pra tocar, sem se incomodar ou querer mandar nas condições que as outras bandas pedem ou recebem. Tudo aquilo que nós sentimos que pode nos prejudicar está combinado em contrato. Todas as bandas deveriam fazer o mesmo, assim o produtor tem condições de saber o que ele pode e deve coordenar. E se ele não coordenar, todas as bandas podem e devem lutar para que as condições que elas combinaram sejam cumpridas. 

Quando as bandas se unem, pode ter certeza que se encontra um jeito de ficar bom pra todo mundo. O problema é que é mais fácil brigar com a banda que está exigindo que tudo seja cumprido corretamente do que brigar com o produtor que vai te levar pra tocar lá de novo.

Agora que o disco foi lançado, quais os planos futuros?
Cair na estrada! Queremos tocar o máximo que pudermos. O Raphael e o Magnus andam conversando muito sobre o que eles vão fazer nos shows... estamos ansiosos pra tocar as músicas do “Shades of Humanity” ao vivo!

Deixe um recado aos fãs da banda e leitores do blog!
Muito obrigada pelo apoio e por terem tido tanta paciência com a banda enquanto preparávamos o lançamento do “Shades of Humanity”. Espero que curtam, é o álbum mais espontâneo da nossa carreira, nós vamos tocá-lo ao vivo com uma energia enorme! Nos vemos em breve!

Discografia:
Shadowside (EP 2001); Theatre of Shadows (2005); Dare to Dream (2009)Inner Monster Out (2011); Shades of Humanity (2017)


Ouça Shadowside no Spotify


03 novembro 2017

Novo dos MOONSPELL é uma viagem épica até aos "escombros da terra"

Da esquerda para a direita: Aires Pereira (baixo), Pedro Paixão (teclado e guitarra), Fernando Ribeiro (voz), Ricardo Amorim (guitarra) e Mike Gaspar (bateria).
Canções em português, orquestrações, coros e até uma versão doom dos Paralamas do Sucesso. Os Moonspell fizeram do retrato do terremoto de Lisboa um momento único na carreira da banda.

A cinza no ar, os escombros da terra, o fogo que inunda, a água que queima, ruínas." A Lisboa retratada no novo álbum dos Moonspell não é a das hordas de turistas, da renovação urbana expresso, dos grupelhos de caloiros a cantar sob o calor de outono. A Lisboa de 1755 é a da morte, da destruição, do medo de Deus e da impotência perante os elementos. E, no fim, do renascimento.

O desafio era, à partida, arriscado: passar de um EP de 4 canções - que chegou a ter como título provisório Ruínas, música da qual foi retirado o verso que abre este texto - para as dez músicas de um álbum temático sobre o terramoto que arrasou a capital portuguesa a 1 de novembro de 1755. Mas ouvindo o primeiro tema do disco, o desafio ganha ainda maior dimensão. Percebemos que os Moonspell quiseram fazer desta uma viagem épica por um momento de viragem na história nacional, com recurso a orquestrações e coros de "pompa wagneriana" que marcam todo o trabalho e que facilmente poderiam descambar e descaracterizá-lo. O que, para descanso dos fãs, não aconteceu. "Uma boa orquestração é a que não tem nada a mais, nem nada a menos." A falar com o DN junto ao Terreiro do Paço, um dos locais centrais no terremoto, Fernando Ribeiro, vocalista dos Moonspell, explica como a banda criou um ambiente operático sem recurso a uma orquestra. "Tivemos um excelente orquestrador, o John Phipps, que tem acesso a toda uma gama de sons, mas é mais novo do que nós e tivemos de jogar também com o nosso gosto e a nossa experiência, muitas das linhas já as tínhamos."


Mas não se pense que este é um disco de metal sinfônico. É um álbum de metal, onde o terremoto será a continuação dos temas do apocalipse do disco "Night Eternal", ou da extinção em "Extinct". Aqui, as partes mais pesadas representam as catástrofes naturais, as orquestrações cumprem a missão de nos transportar para as ruas multiculturais da Lisboa do século XVIII, em especial com o recurso a ambientes orientais, e os coros num latim inventado - quase como personagens numa tragédia grega - remetem-nos para as igrejas. E até o fadista Paulo Bragança nos canta numa voz límpida, em "In Tremor Dei", uma "Lisboa em chamas, caída, tremendo, sem Deus".

"Tudo é muito vivo, o álbum tem ondas. O que interessa em tudo isto que fizemos é contar a história." Uma história que, segundo Fernando Ribeiro, não se contava nas quatro canções iniciais do EP. "Seria frustrante ficar só por ele." Além disso, "porque andamos em 2017 em celebração vintage em comemoração dos nossos 25 anos, precisávamos de uma transfusão de sangue, e o 1755 enquadra-se nisso".

Com tantas camadas e leituras, a pergunta impõe-se: foi este o disco mais desafiante da carreira dos Moonspell? "É uma pergunta boa para quem fez a parte musical", começa por responder Fernando Ribeiro. "Os desafios são encarados com entusiasmo. O que nos mantém juntos sem termos uma relação aborrecida é a criatividade. Nesse aspecto foi desafiante. Enquanto vocalista o maior desafio era contar a história bem, o fator-chave para fazer os ouvintes viajarem até ao dia 1 de novembro de 1755 e estarem connosco naquele dia e também desvendar o futuro de Lisboa, um futuro de reconstrução. A nível musical houve várias camadas, foi desafiante, mas não necessariamente o mais desafiante." E os desafios, acrescenta Pedro Paixão, teclista e guitarrista, "dependem das circunstâncias e das alturas das nossas vidas em que os álbuns são feitos".


Uma língua musical

A métrica. O velho problema apontado por muitas bandas para justificar a opção de cantar em inglês e não em português. "E nós também torcemos o nariz em determinada altura a cantar em português", admite Ricardo Amorim, guitarrista dos Moonspell. "Mas depois percebemos que pode resultar. Lembro- -me de quando o Fernando e o Pedro musicaram um poema do Miguel Torga para o Orfeu Rebelde de ter pensado "isto até funciona, é uma questão de escolher as palavras certas". É uma língua até bastante musical." Mas se os Moonspell já tinham pequenas experiências com letras em português - principalmente com as gémeas Trebaruna e Ataegina, do álbum "Wolfheart" -, compor 50 minutos de música acompanhada apenas pela nossa língua obrigou Fernando Ribeiro "a uma tortura por parte dos colegas verdugos do ritmo (risos)". "Até escrevi as letras de forma bastante rápida, já as tinha na cabeça, mas depois estivemos de volta delas para arranjar a métrica e a expressão certas para soar tudo tight."

E o resultado final soa de forma natural, sem aquela estranha noção de termos palavras torturadas em espaços que não eram os seus. Desde o "sou sangue do teu sangue, sou luz que se expande" de Em Nome do Medo, primeira canção do álbum, até à surpreendente "Lanterna dos Afogados" que fecha o disco - versão que transformou uma música dos Paralamas do Sucesso, que fez parte da novela brasileira Rainha da Sucata, numa canção com marcas de doom metal a fazer lembrar "Bloody Kisses", dos Type o Negative -, os Moonspell conseguem manter a coerência poética. Uma forte carga cênica que leva a banda a querer apresentar o disco em teatros, com figuras de época e monges em palco. Ambiente que os fãs poderão encontrar já nos concertos de Lisboa - segunda e terça-feira - e Porto - no dia 1 de novembro -, ainda antes do lançamento oficial do álbum, marcado para dia 3 de novembro.

Texto original extraído do site Diário de Notícias