13 junho 2015

Quando o metal crucifica e ninguém reclama: o preconceito seletivo contra a Parada GLBT

Por Julio Feriato

O assunto que mais bombou nas redes sociais nesta semana foi uma polêmica foto da 19ª Parada do Orgulho GLBT, na qual a transexual Viviany Beleboni encenou uma crucificação para simbolizar a “agressão e a dor que a comunidade LGBT sofre diariamente no país”.

Em entrevista ao Portal G1, Viviany explicou que enxerga a Parada como um protesto, não apenas uma festa. “Usei as marcas de Jesus, que foi humilhado, agredido e morto; justamente o que tem acontecido com muita gente do meio GLS. Mas isso não choca ninguém. Nunca tive a intenção de atacar a igreja. A ideia era, mesmo, protestar contra a homofobia”.

Mesmo assim, a mensagem foi mal interpretada e provocou uma enxurrada de críticas nas redes. Muitos questionaram: “como querem respeito se eles mesmos não respeitam a religião dos outros?”.

Primeiro, desde quando católicos e, principalmente, evangélicos radicais respeitam a sexualidade alheia? Que tipo de respeito é esse que associa homossexuais a pedófilos ou criminosos e chega ao ponto de um deputado pastor propor um projeto popularmente apelidado de “cura gay”?

As ideias preconceituosas vindas de fundamentalistas evangélicos e católicos até são previsíveis. O que chamou atenção foram os diversos posts de pessoas ligadas à cena rock/metal se dizendo ofendidas com a encenação de Viviany — e compartilhando publicações de Silas Malafaia e Marcos Feliciano para criticar o protesto.

Os mesmos “roqueiros/metaleiros” que se orgulham de ser mais cultos e inteligentes do que fãs de gêneros musicais populares, e que escutam e compram discos de Slayer, Deicide, Gorgoroth, Cradle of Filth, Marilyn Manson, Belphegor, Sepultura… ou seja, bandas que já usaram a imagem de Cristo crucificado em capas de álbuns ou videoclipes, agora se dizem ultrajados.


Será que o mesmo fã de Deicide que se indignou com o protesto da Parada GLBT também ficou chocado com a capa e contracapa do disco Once Upon the Cross, ou com o DVD Black Mass Kraków, do Gorgoroth, onde algumas mulheres eram crucificadas no palco?

Achou pouco? Então vamos continuar.



O videoclipe de Arise, do Sepultura, mostra pessoas crucificadas usando máscaras de gás. Por que ninguém do metal se escandalizou com isso? Ou com a capa do LP Rotting, do Sarcófago?


Fora do metal, há exemplos como a capa da revista Placar, em que Neymar aparecia crucificado para simbolizar a “crucificação” que sofria pela pressão da torcida. Alguém ficou irritado? Claro que não! Afinal, é Neymar: homem hétero, futebolista, paixão nacional. Pode tudo.

Já Viviany Beleboni? Não. Beleboni é uma mulher transexual, e, segundo os críticos, “gente suja que não merece estar no planeta”.

A conclusão é clara: a revolta dos hipócritas — sejam católicos, evangélicos ou metaleiros — nunca foi contra o protesto em si, mas contra os "manifestantes". Mais um exemplo de homofobia disfarçada de indignação moral.

Alguns exemplos de bandas que usaram crucificação ou imagens religiosas em capas de discos e vídeos:

O Sarcófago também quis fazer seu protesto no EP "Rotting", em 1989.

Muito antes de usar a crucificação no clipe de “Arise”, o Sepultura já havia usado a imagem da crucificação de Cristo na capa do disco “Morbid Visions”, em 1986.

Capa do EP "Insantification", da banda mineira In Memorian.

Cenas do DVD "Black Mass Kraków 2004", do Gorgoroth

Os austríacos do Belphegor exibiram uma freira nua com corpse paint se esfregando na cruz, no videoclipe “Lucifer Incestus“

O que será que os pseudo-metaleiros cristãos fundamentalistas acharam da capa do primeiro cd do Mysteriis?

Os curitibanos do Amen Corner sempre curtiram satirizar a imagem de Cristo tanto nas letras quantos nas capas.


Capa da demo “Fuck Me Jesus”, lançada em 1991, pela banda sueca Marduk.